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Cidadania

O ‘interesse de agir’ e o Tribunal de Genova – Por Andrew Montone

Entenda o conceito de interesse de agir no reconhecimento da cidadania italiana e as divergências entre tribunais italianos, como Gênova e Roma

Andrew Montone, advogado especialista em cidadania italiana, explica o conceito de interesse de agir e as diferentes abordagens de tribunais italianos, como Gênova, Roma e Brescia, no reconhecimento da cidadania
Andrew Montone, advogado especialista em cidadania italiana, explica o conceito de interesse de agir e as diferentes abordagens de tribunais italianos, como Gênova, Roma e Brescia, no reconhecimento da cidadania

por Andrew Montone*

O reconhecimento do status de “cittadino italiano” (cidadão italiano), já considerado pela Cassazione como um direito imediato e incondicional passível de tutela, tem sido interpretado de maneira distinta pelo Tribunale di Genova, especialmente no que se refere ao conceito de interesse de agir, uma das condições para a ação previstas no artigo 100 do Código de Processo Civil Italiano.

Em termos simples, o interesse de agir é um interesse processual que reflete a necessidade/utilidade de que um pedido seja apreciado por meio de uma decisão jurisdicional, uma vez que não pode ser resolvido pelo Estado. No caso do reconhecimento da cidadania italiana, estamos diante da via paterna, considerando que os pedidos, em teoria, deveriam ser atendidos pelos consulados em uma durata ragionevole. Esse entendimento é amplamente aceito pelo Tribunale di Roma, inclusive antes da descentralização que permitiu a atuação de outros tribunais.

A comprovação desse interesse, em sua forma evolutiva, pode ser realizada por diversos meios que evidenciem a ineficácia do Estado italiano, especialmente no que diz respeito à atuação dos consulados. Exemplos incluem:

  • E-mails enviados ao consulado (como a “posta ordinaria”);
  • Listas de espera que demonstram a incapacidade do Estado de atender a diversas demandas;
  • Pedidos realizados com AR (Aviso de Recebimento), acompanhados de formulários preenchidos à mão e cópia de documento de identidade.

Com o advento do sistema “prenot@mi” (quando utilizado), as solicitações passaram a ser feitas exclusivamente de forma online. Esse entendimento é seguido pelo Tribunale di Roma, que, em diversas decisões, reafirma que a incerteza quanto ao reconhecimento do status de cidadania e a demora excessiva no processamento desses pedidos resultam em um dano ao interesse legítimo dos cidadãos, justificando a busca por proteção judicial (cf. decisões do Tribunale di Roma em 01/11/2012, 28/06/2016, 03/08/2017, entre outras).

Em consonância com esse posicionamento, tribunais como Brescia (Sentença n. 4681/2024), Salerno (Sentença n. 4312/2024) e Catanzaro (Sentença n. 1624/2024) também reconhecem o direito de agir, com base nas situações de incerteza causadas pela demora administrativa.

O Tribunale di Brescia, por exemplo, reconhece que os registros (prints de tela) do Consulado Geral da Itália em São Paulo, quando não há resposta ao pedido de cidadania, demonstram a ineficiência do consulado em processar as demandas, mesmo quando formuladas há vários anos.

O Tribunale di Firenze, ciente da situação caótica envolvendo países como Brasil, Argentina e Venezuela, afirma que há um interesse legítimo em agir, mesmo quando não há comprovação formal das tentativas de utilização do sistema “prenot@mi”. Provas notórias, como as longas listas de espera nos consulados citados, que ultrapassam 10 anos, evidenciam a falta de apreciação dos pedidos dentro dos prazos legais, criando uma situação objetiva de incerteza.

Recentemente, o Tribunale di Reggio Calabria, em algumas decisões, tem solicitado a constante demonstração do interesse de agir, o que ocorre também com novos juízes que ainda não estão familiarizados com os processos de reconhecimento da cidadania italiana.

No entanto, o posicionamento do Tribunal de Gênova e de sua Corte de Apelação (Sentença n. 1246/2024, de 16/10/2024) contrasta com os referidos tribunais. Em sua análise, o tribunal não considera as capturas de tela (prints) e os e-mails enviados ao consulado como meios adequados para comprovar a tentativa de solicitação da cidadania, argumentando que:

“Em relação às ‘capturas de tela apresentadas pelos recorrentes’, deve-se notar que, independentemente de intenções instrumentais, essas não permitem verificar se a tentativa de agendamento foi feita para a solicitação de cidadania ou para outros serviços oferecidos pela página da Embaixada da Itália.”

Além disso, o tribunal ligure considera que e-mails enviados por correio eletrônico comum (como Gmail ou Hotmail) não são aptos a iniciar o processo de solicitação, por não estarem acompanhados da documentação exigida pelo Decreto Presidencial n. 362/94.

Abre-se um parêntese: a norma do decreto não faz parte da normativa da cidadania jure sanguinis.

O que o Tribunale di Genova considera adequado para dar início ao processo é o contato formal com a autoridade diplomático-consular via PEC (Posta Elettronica Certificata), ou seja, uma comunicação formal e certificada.

Existem ainda decisões indicando que esse contato não seria hábil se ocorrido durante o processo, o que se opõe diametralmente ao que prevê a Cassazione sobre esse interesse superveniente:

“L’interesse ad agire (…) il pregiudizio deve essere concreto ed attuale, anche sopravvenuto all’atto impugnato, ma non deve necessariamente implicare la lesione di un diritto (…); è sufficiente uno stato di incertezza (…)” (Cass., 20.1.2010, n. 919).

O efeito da falta do interesse de agir (uma das condizioni dell’azione, também presente no CPC brasileiro) é a declaração de inadmissibilidade da demanda, sem entrar no mérito. Isso implica que o direito não será analisado, não fazendo coisa julgada, mas gerando, no entanto, novas custas para sua propositura.

Portanto, é essencial analisar cuidadosamente cada unidade consular e o entendimento de cada tribunal, visto que as interpretações podem variar substancialmente dependendo da região e da situação específica de cada pedido, especialmente em consulados fora do Brasil.

Andrew Montone é advogado especializado em cidadania italiana, inscrito na Ordine degli Avvocati di Milano, na Ordem dos Advogados de Portugal e na Ordem dos Advogados do Brasil. Atualmente, atua no Studio Legale Piccolo, na Itália, com foco em imigração e cidadania.

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