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Gragnano: a cidade italiana que revolucionou a pasta

Gragnano, a cidade italiana que revolucionou a pasta

A tradição das massas secas da cidade remonta há séculos. Gragnano é conhecida como ‘Città della Pasta’

Em Gragnano, uma cidade de 29 mil habitantes localizada 30 km a sudeste de Nápoles, na região da Campânia, na Itália, o vento bate religiosamente como o sino da igreja ao longo do dia.

Os moradores pensaram inicialmente que a brisa era o ‘Le Mistral’, um vento frio e seco que sopra pela região da Provence até o Mediterrâneo.

Eles tinham alguma razão.

Enquanto o vento noroeste é chamado pelo mesmo nome — e característico tanto do sul da Itália quanto do sul da França —, este vento Mistral (ou Marino, como a população local chama) sopra no sentido oposto, trazendo umidade e minerais do mar para as ruas de Gragnano.

“Você pode produzir e secar massa todos os dias por causa da previsibilidade deste vento soprando dentro da vila em direção ao vale”, conta Giuseppe Di Martino, CEO da Pastificio Di Martino, comandada há três gerações pela sua família.

Pastificio Di Martino é uma das três principais fábricas de macarrão em Gragnano, conhecida como “Città della Pasta” (“Cidade da Massa”).

Gragnano ficou famosa por seu “ouro branco”, ou macarrão, quando deixou de fabricar seda no fim dos anos 1700, depois que os bichos da seda começaram a morrer de repente devido a uma invasão de pragas.

Um santo remédio

Mas a tradição das massas secas da cidade remonta há séculos antes. De acordo com o historiador Giuseppe Di Massa, presidente do Centro Cultural Gragnano, há documentos datados de 1200 que falam sobre a produção de seccata, ou melhor, massa seca.

Na mesma época, o médico do rei William 2º da Sicília, Giovanni Ferrario, que também era professor de uma faculdade de Medicina em Salerno, na Itália, proclamou os benefícios da massa seca de Gragnano.

Ele receitava a pacientes com febre tifóide comer vermiculos al dente, macarrão predecessor do vermicelli, uma massa comprida levemente mais espessa que o espaguete.

A massa fresca — uma simples mistura de farinha de trigo, água e ovos — é mais comum nas regiões do Piemonte, Lombardia e Veneto, onde a massa é esticada com rolos e cortada seja na forma de tagliatelle ou tortellini.

A massa seca, por sua vez, requer apenas dois ingredientes: água e sêmola de trigo duro. E é talhada em moldes de bronze tradicionais, o que proporciona uma textura áspera ao produto final, dando à massa a capacidade de absorver mais molho.

“Aqui, em Gragnano, somos muito mais viciados em massas secas”, explicou Nunzia Riccio, tecnóloga em alimentos e gerente de controle de qualidade da Pastificio Di Martino, enquanto visitávamos a fábrica.

Do alto do prédio da Pastificio Di Martino, é fácil entender como Gragnano está posicionada estrategicamente para ser uma fábrica natural de massas. A cidade é cercada por montanhas de três lados e pelo mar do outro, o que cria um efeito conhecido como “sombra de chuva”, ideal para secar a massa lentamente ao ar livre, enquanto a brisa marinha sopra da costa.

As construções de Gragnano foram projetadas de forma que o vento úmido, que sopra várias vezes ao dia, forneça ventilação natural, formando um túnel ao longo da antiga via principal da cidade, a Via Roma, onde a maioria das fábricas foi construída.

Se não fosse o leve pó de sêmola que sobe pelo ar, você não imaginaria que esta pacata cidade costeira já foi uma das mais ricas da região em termos de fabricação de massas.

“No passado, quase todas as famílias de Gragnano fabricavam massa”, diz Riccio.

“Essa é uma tradição antiga de mais de 250 anos, o ‘ouro branco’ movia a economia da cidade.”

Eu estive em Gragnano

No século 19, Gragnano era um dos famosos destinos do Grand Tour, viagem tradicionalmente feita por jovens europeus de classe média alta à Grécia e à Itália após concluírem os estudos para aprender mais sobre as civilizações antigas, visitando locais como o Partenon e Pompeia — da mesma maneira que muitos jovens fazem um mochilão hoje.

“Quando os nobres europeus vinham a Gragnano, para provar que haviam participado do Grand Tour, eles levavam macarrão na volta para casa para dizer que estiveram em Gragnano”, conta Di Martino.

Quadros pintados por artistas franceses como Prosper Barbot e Jean-Baptiste-Camille Corot (seis dos quais estão no Louvre, em Paris) retratam a vida em Gragnano durante o auge da sua produção de massas.

Os pintores chegaram com seus cavaletes ao Valle dei Mulini (Vale dos Moinhos), onde 40 moinhos trituravam trigo fresco da vizinha Puglia com água proveniente das nascentes do Monte Lattari; também se posicionaram ao longo da antiga Via Roma, revestida por pedras vulcânicas, onde carroças aguardavam com caixotes para transportar o macarrão até os mercados.

Quase 70% da população de Gragnano na época estava envolvida no setor de massas, e 100 mil kg de macarrão eram produzidos diariamente.

Na mesa o rei

Quando o rei Fernando 2º de Nápoles visitou a cidade em meados do século 19, ficou tão impressionado que escolheu os fabricantes de massa de Gragnano como fornecedores oficiais do palácio de verão em Quisisana, antiga residência real fora de Castellammare di Stabia, a 5 km de Gragnano.

Em meados do século 19, a massa seca da cidade era tão popular que o município de Gragnano começou a demolir edifícios antigos para dar lugar a dezenas de fábricas artesanais que secavam massas em varas de junco penduradas como ramos de salgueiro do lado de fora das casas.

“O município permitiu que as fábricas de massas ocupassem o espaço em frente à entrada com a spasa (“varal de massa”) e, por sua vez, as fábricas garantiam a limpeza das ruas, uma vez que não queriam que suas massas fossem contaminadas por poeira”, explica Di Massa.

“A secagem das massas de Gragnano era uma verdadeira arte, aprimorada ao longo dos séculos, e passou a ser um segredo familiar geração após geração. Como não havia conservantes ou produtos antibacterianos na época, a conservação [da massa] dependia da secagem lenta.”

As construções eram posicionadas de modo a não fazer sombra nos vizinhos, e a Via Roma foi ampliada para facilitar o acesso dos fornecedores de matéria-prima do Valle dei Mulini, de acordo com Di Martino.

Gragnano foi redesenhada industrialmente para ser “a cidade das massas”, já que suas fábricas estavam exportando uma quantidade enorme de macarrão para os Estados Unidos — mais especificamente, para os italianos que migraram antes da quebra da bolsa de Nova York em 1929, acrescentou ele.

“Na época, as massas de Gragnano eram mais populares fora da Itália.”

Cidade chegou a ter 120 fábricas

No início dos anos 1900, a cidade contava com quase 120 fábricas de massas. O boom industrial, no entanto, substituiu o método tradicional de secagem ao ar livre por movimentos mecanizados em salas ventiladas, reduzindo o número de fábricas para 42. Desde então, elas passaram a crescer em tamanho, mas não em número.

Enquanto exportavam macarrão para novos mercados, as ferramentas mecânicas substituíram os funcionários, aumentando o desemprego — o que levou muitos trabalhadores a migrar para os EUA em busca de sustento.

“A recuperação econômica foi lenta, e grandes complexos industriais nasceram em outras partes da Itália, o que obrigou muitas fábricas de massa em Gragnano a fechar”, conta Di Massa.

“As fábricas de massa sobreviventes arregaçaram as mangas e perceberam que não era possível competir com as grandes empresas de macarrão em termos de produção e preço de venda, e começaram a se concentrar na qualidade de suas massas.”

Quando a exportação para os EUA foi proibida durante a Primeira Guerra Mundial, como parte do plano de defesa econômica do governo, os italianos residentes no país que haviam importado o “ouro branco” recriaram o processo de secagem lenta com a ajuda de máquinas para produzir massa no estilo italiano para o mercado americano.

Uma coisa que eles não conseguiram replicar, no entanto, foi o sabor. O segredo para as massas de Gragnano resistirem tão bem a viagens — sobretudo à jornada de seis semanas até os EUA — estava nos ingredientes.

“A água tem baixo teor de minerais, o que não modifica o sabor e o gosto da massa, quando comparada a de outras áreas”, explica Riccio.

Além disso, o trigo duro italiano viaja apenas três horas da Puglia para Gragnano — “então a sêmola é fresca, não há tempo para desenvolver mofo ou toxinas”.

Há pouco mais de uma década, Di Martino, que é ex-presidente do consórcio de fabricantes de massas de Gragnano, esteve no Borough Market de Londres para uma conferência organizada pelo Conselho Canadense do Trigo.

“Eles achavam que não havia futuro na biodiversidade e na produção local, e o único caminho a seguir era a globalização”, diz ele.

O trigo canadense podia ser negociado cinco ou seis vezes antes de desembarcar na costa da Inglaterra, o que fez ele refletir sobre a localização privilegiada de Gragnano, perto da Puglia.

IGP

No táxi a caminho do almoço, ele começou a pensar em maneiras de preservar o “ouro branco” de Gragnano em parceria com os agricultores dos campos de Gravina, que fornecem trigo para as 14 fábricas da cidade — responsáveis por 14% da massa seca exportada pela Itália.

“O que eu queria era ter uma qualidade de trigo melhor, que estivesse conectada à terra, à população, para preservar esse patrimônio cultural”, explica.

O primeiro emblema de Gragnano era formado por ramos de trigo, e mais tarde foi acrescentada uma mão segurando os ramos como espaguete, que, segundo Di Massa, simboliza a correlação entre a terra e o trabalho manual.

“Quando você está vinculado a um lugar, você está transferindo valor de volta aos agricultores”, afirmou Di Martino ao discursar na abertura no 10º aniversário da Festa del Raccolto, festival anual de massas da Puglia, em junho de 2018.

“Ao crescer em Gragnano, perto das fábricas, as massas se tornam seus brinquedos, e os trabalhadores seus amigos.”

Em Gragnano, a procedência é mais importante do que a embalagem, garantindo que a massa seja produzida de acordo com um conjunto de regulamentos rigorosos (que Di Martino ajudou a redigir em 2013, quando a massa foi designada Indicação Geográfica Protegida pela União Europeia).

Todas as massas devem seguir a regulamentação para serem consideradas “Pasta di Gragnano”, assim como um vinicultor segue certas regras na região de Champagne, na França.

A secagem do macarrão de Gragnano pode ser feita hoje nas linhas de produção dentro das fábricas, mas o ar que sopra nos motores é o mesmo que outrora secava os fios que pendiam pelas ruas da cidade.

Como forma de prestar homenagem ao legado da massa na cidade, os fabricantes de Gragnano ainda montam barracas nas ruas todo mês de setembro para preparar macarrão, durante a Festa della Pasta di Gragnano.

O festival começou após a Segunda Guerra Mundial como uma maneira de reviver a fabricação tradicional de massas de Gragnano.

“E servia como uma estratégia de conscientização, para que as pessoas soubessem o que estava acontecendo atrás das portas fechadas da fábrica”, diz Riccio.

A cidade recebe cerca de 100 mil pessoas para o evento de dois dias, que vende quase 5 mil pratos de macarrão por dia. Chefs renomados dão demonstrações ao vivo no centro da cidade, onde os fios de massa historicamente ficavam pendurados numa espécie de varal nos dois lados da rua.

“Eu adoro, é como se a cidade inteira se transformasse em um teatro”, afirma Di Martino, acrescentando que o evento ajuda a manter viva até hoje a reputação de Gragnano como a cidade do “ouro branco”.

“Se você mencionar Parma a um italiano, ele vai pensar em queijo parmesão ou presunto; se você citar Gragnano, ele vai pensar em massa”, resume.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel

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