A cidade de Fregona, no norte da Itália, enfrenta um futuro incerto. Com apenas quatro nascimentos registrados em junho e uma população de 2.700 moradores — em sua maioria idosos —, o município corre o risco de fechar sua escola primária por falta de alunos.

O prefeito Giacomo de Luca tenta impedir o encerramento da turma de recepção. “O novo primeiro ano não pode acontecer porque há apenas quatro crianças. Eles querem fechá-lo”, disse à BBC. Para manter a escola, De Luca oferece transporte gratuito e horário estendido até às 18h, tudo pago pela prefeitura. “Estou preocupado. Aos poucos, se as coisas continuarem assim, a cidade vai morrer”.
Crise nacional
O cenário de Fregona, na próspera província de Treviso, reflete um problema maior. A população da Itália diminuiu em quase 1,9 milhão na última década. O número de nascimentos cai há 16 anos consecutivos. A taxa de fertilidade é de 1,18 filho por mulher — abaixo da média da União Europeia e longe dos 2,1 necessários para repor a população.

Mesmo com subsídios e incentivos fiscais, a maternidade continua sendo um desafio para mulheres como Valentina Dottor. “É difícil. Por causa do trabalho, da escola, do dinheiro”, afirma. Ela recebe € 200 mensais pelo primeiro ano da filha Diletta, mas perdeu o novo bônus de € 1.000 oferecido pelo governo.
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SAIBA MAISAlém da falta de apoio, o acesso a creches é limitado. “Não há muitos bebês, mas também não há muitas vagas em creches. Tenho sorte de ter minha avó cuidando da minha filha. Se não, não sei onde a deixaria”, disse Valentina.
Iniciativas privadas
Diante da escassez de apoio público, algumas empresas tomam iniciativas próprias. No Vêneto, a fabricante de resfriadores Irinox criou, em parceria com outras companhias, uma creche próxima à fábrica. A funcionária Melania Sandrin é uma das beneficiadas. “Saber que eu tinha a chance de deixar meu filho a dois minutos daqui foi muito importante”, contou.
Apesar da estrutura, Melania e suas colegas adiaram a maternidade para o fim dos 30 anos e ainda hesitam em ter mais filhos. A CEO da Irinox, Katia da Ros, avalia: “Não são os pagamentos de € 1.000 que fazem a diferença, mas sim a existência de serviços como creches gratuitas. Se quisermos mudar a situação, precisamos de medidas enérgicas”.

Nova lei de cidadania
Enquanto busca reverter a crise demográfica, o governo italiano impôs novas restrições à cidadania. Em maio, o Parlamento aprovou uma lei que dificulta o reconhecimento da cidadania italiana para descendentes no exterior, afetando diretamente brasileiros e argentinos.
Na Irinox, mais de 40% dos trabalhadores já são estrangeiros. A CEO acredita que a imigração é essencial. “A menos que haja um improvável aumento repentino na natalidade, a Itália precisará de mais trabalhadores estrangeiros. O futuro será assim”.

Fechamentos e tensões
Na cidade vizinha de Treviso, a Escola Primária Pascoli encerrou as atividades por falta de alunos. “É um dia triste”, disse Eleanora Franceschi ao buscar sua filha pela última vez. A partir de setembro, a criança terá que estudar em outra cidade.
A diretora Luana Scarfi afirmou que a migração mudou o perfil da região. “Algumas (famílias) decidiram então ir para outras escolas onde o índice de imigração era menor”, revelou, em inglês. A fala expôs uma tensão latente: famílias buscando ambientes menos diversos.

Com projeções que indicam a perda de 5 milhões de habitantes até 2050, a Itália enfrenta um desafio estrutural. Eleanora é clara: “Recebemos cheques mensais, mas também precisamos de apoio prático, como acampamentos de verão gratuitos. O governo quer uma população maior, mas, ao mesmo tempo, não está ajudando. Como podemos ter mais bebês nessa situação?”, finaliza.
