Matteo Salvini dominou a política da Itália nos últimos três anos, primeiro como ministro do Interior e depois como líder da oposição, mas ganhou recentemente uma adversária em sua ambição de um dia se tornar premiê da terceira economia da União Europeia.
E essa rival não vem da esquerda nem do centro, mas sim do mesmo campo conservador e soberanista que é encabeçado por Salvini desde 2018.
Giorgia Meloni, 44 anos, é jornalista, deputada, ex-ministra de Silvio Berlusconi e fundadora e presidente do partido de extrema direita Irmãos da Itália (FdI), que já aparece em algumas pesquisas à frente da Liga, sua coirmã na direita populista e que vinha nadando de braçada na preferência do eleitorado.
As cinco últimas sondagens de opinião divulgadas na Itália (duas do instituto SWG, duas do Termometro Politico e uma do Euromedia) colocam o FdI na liderança em âmbito nacional, com 20% a 20,9% dos votos, dependendo da pesquisa.
A Liga aparece logo na cola, é verdade, com uma desvantagem que nunca passa de meio ponto percentual, mas está muito distante dos mais de 30% que chegou a ter até o início de 2020.
Esse é, de longe, o melhor momento vivido pelo FdI, partido cuja história está intrinsecamente ligada a Meloni. Durante o pós-guerra, a Itália sempre teve uma grande legenda de direita, papel que coube na Primeira República (1948-1994) ao Movimento Social Italiano (MSI), de inspiração neofascista.
Em 1995, na Segunda República, o MSI foi rebatizado como Aliança Nacional (AN), sigla então liderada por Gianfranco Fini e que chegou a ter de 10% a 15% dos votos. Em 2008, no entanto, a AN se fundiu com o Força Itália (FI), partido personalista fundado e presidido por Berlusconi.
“Fini fez isso porque esperava se tornar o líder do maior partido italiano depois de Berlusconi. Ele não conseguiu e hoje desapareceu politicamente”, diz à ANSA Roberto D’Alimonte, professor de sistema político italiano na Livre Universidade Internacional de Estudos Sociais (Luiss) Guido Carli, de Roma.
Naquele momento, a decisão de Fini causou incômodo dentro da Aliança Nacional e, em dezembro de 2012, um grupo de dissidentes, incluindo Meloni, fundou um novo partido chamado Irmãos da Itália.
“O FdI representa aquilo que uma vez foi o partido histórico da direita italiana”, acrescenta D’Alimonte. Presidido por Meloni desde 2014, o FdI incorporou inclusive a chama tricolor que fazia parte do emblema do MSI, partido que havia sido fundado por antigos membros do regime fascista de Benito Mussolini.
Trajetória deGiorgia Meloni
Nascida em Roma em 15 de janeiro de 1977, Giorgia Meloni se aproximou da política aos 15 anos da idade, quando aderiu à “Frente da Juventude”, organização juvenil ligada ao MSI.
Com o passar dos anos, galgou degraus na Aliança Nacional e foi eleita conselheira da província de Roma em 1998, ficando no cargo até 2002. Em 2006, conquistou uma cadeira na Câmara dos Deputados, onde está até hoje, tendo ocupado também o posto de ministra da Juventude do governo Berlusconi entre 2008 e 2011.
No mesmo ano em que foi eleita pela primeira vez ao Parlamento,Giorgia Meloni deu uma entrevista na qual disse que tinha uma “relação serena com o fascismo”. Sobre Mussolini, afirmou que o ditador “cometeu diversos erros, como as leis raciais, a entrada na guerra e o sistema autoritário”.
“Historicamente, produziu muito também, mas isso não o salva”, declarou Meloni na ocasião. Ao assumir o comando do FdI, reconstruiu a classe dirigente que antes orbitava em torno da Aliança Nacional e ainda alcançou uma nova fatia do eleitorado por ter passado a última década sempre na oposição.
Salvini, por sua vez, governou com o antissistema Movimento 5 Estrelas (M5S) entre 2018 e 2019 e hoje é um dos fiadores do premiê Mario Draghi, um dos grandes símbolos daquela União Europeia que a extrema direita sempre criticou.
“O FdI é o único verdadeiro partido de oposição na Itália hoje e concentra o descontentamento que existe”, diz D’Alimonte.
Segundo o professor,Giorgia Meloni capitaliza a insatisfação de grupos que vão de trabalhadores demitidos por causa da crise até autônomos penalizados pela pandemia, passando pelos antivacinas – a deputada se vacinou contra a Covid apenas em 26 de julho, mas não tirou foto.
Meloni também tem buscado se distanciar de movimentos abertamente neofascistas, como CasaPound e Força Nova. “Mas, em nível de militância, não estou certo de que haja essa distinção”, afirma o docente da Luiss.
Disputa interna
Embora disputem voto a voto a preferência do eleitorado, Meloni e Salvini fazem parte de uma coalizão chamada pela imprensa italiana de “centro-direita” e que ainda inclui Silvio Berlusconi.
Essa coligação administra 14 das 20 regiões da Itália, mas existe uma disputa interna pelo posto de partido mais votado dentro da aliança nas próximas eleições legislativas, previstas para 2023.
Em 2018, a Liga de Salvini superou o FI de Berlusconi e assumiu o comando da coalizão, e agora Meloni projeta fazer o mesmo com o ex-ministro do Interior.
As últimas pesquisas apontam que a aliança conservadora teria boas chances de obter maioria absoluta no Parlamento no caso de eleições antecipadas, e o líder do partido mais votado naturalmente reivindicaria o cargo de premiê.
Segundo D’Alimonte, as diferenças ideológicas entre Salvini e Meloni são “modestíssimas”. Eles convergem na defesa da assim chamada “família tradicional”, ao mesmo tempo em que são contra vacinação obrigatória, o direito de adoção por homossexuais e o acolhimento de migrantes salvos no Mediterrâneo.
Ambos são soberanistas e até pouco tempo atrás defendiam a saída da Itália da União Europeia, mas hoje não falam mais nisso – o país vai ser o maior beneficiário do fundo da UE para o pós pandemia, com direito a quase 200 bilhões de euros.
Ainda assim, Meloni e Salvini mantêm o tom crítico em relação a Bruxelas e rejeitam projetos que levem a mais integração.
“Mas o ponto é que Salvini está em uma posição ambígua. De um lado, compete com Meloni no tema do soberanismo, mas de outro, apoia o ex-presidente do Banco Central Europeu. Meloni, uma soberanista que se opõe a Draghi, está em uma posição mais coerente”, afirma D’Alimonte.
O ex-ministro do Interior, contudo, não está acomodado e já ensaia uma reação para evitar que Meloni assuma a liderança da coalizão conservadora. Nos últimos meses, expoentes da Liga ventilaram a hipótese de criar uma “federação” de direita com o Força Itália, algo semelhante ao que Fini e Berlusconi fizeram nos anos 2000.
Com os votos de Liga e FI somados, Salvini ficaria fortalecido na disputa interna contra sua aliada-rival. Mas, de acordo com D’Alimonte, o surgimento dessa federação ainda está no campo das hipóteses. (ANSA).