Para ajudar a “por comida na mesa de casa”, Diego Silva dos Santos, 27, começou a trabalhar aos 14 anos em uma oficina mecânica após o divórcio dos pais, dividindo horário com as aulas em uma escola pública paulistana.
Foi adiando o sonho de cursar gastronomia, pois não tinha como pagar a faculdade, cuja mensalidade era o dobro de seu salário.
Tudo mudou ao conhecer a Gastromotiva, negócio social fundado por David Hertz, ganhador do Prêmio Empreendedor Social de Futuro, em 2009, que capacita jovens de baixa renda em curso profissionalizante em gastronomia para ingresso no mercado de trabalho.
Tinha início a sua corrida para se tornar um chef de cozinha. Passou por alguns restaurantes. Fez faculdade e alcançou o que julgava impossível: estuda ciências gastronômicas na Itália.
“Quero voltar ao Brasil, ensinar tudo que estou aprendendo e montar meu próprio projeto de gastronomia social”, afirma.
Leia a seguir o depoimento de Diego à Folha, direto da Itália.
Hoje posso dizer que sou chef de cozinha. Desde os 8 anos gostava de brincar de cozinhar. Aos 10, meus pais se divorciaram e a situação em casa apertou muito para mim, minha irmã e minha mãe.
Com 14 anos comecei a trabalhar em uma oficina mecânica para ajudar a colocar comida na mesa. Estudava até as 12h, depois trabalha das 13h às 18h.
Minha mãe, que era dona de casa, teve que trabalhar fora. Ela conseguiu dois empregos para fazer faxina, cada um por um salário mínimo.
Na época, a pensão alimentícia para os três filhos era de R$ 107 e o salário mínimo R$ 270.
Aos 16, virei empacotador em um mercado. Depois, fui promovido para o setor de padaria, onde começou a minha paixão pela gastronomia.
Eu ficava no balcão, fazia pão, ajudava a fazer doce e frango assado.
Com o tempo, pedi promoção de cargo e me falaram que não seria possível porque não tinha nível superior. Fiquei meio traumatizado e comecei a procurar cursos para estudar.
Terminei o ensino médio e parei de estudar. Com quase 20 anos fui trabalhar informalmente como auxiliar em um escritório.
Sempre quis estudar gastronomia, mas não tinha condições de pagar um curso. Na época, ganhava R$ 800 e com as horas extras chegava a R$ 1.200. A mensalidade da faculdade de gastronomia era de R$ 1.700.
Procurando na internet por um curso acessível, conheci a Gastromotiva, em 2009. Vi que as inscrições estavam abertas e me inscrevi. Fiz duas entrevistas para entrar.
O curso era inteiramente gratuito, de cinco meses, dois meses e meio de teoria e o restante de pratica. Só teria que custear o transporte.
Eu tive que escolher entre trabalhar e fazer o curso, que era à tarde. Escolhi o curso.
Conversei com a minha mãe, disse que teria que parar de trabalhar para estudar e pedi para ela segurar as contas de casa por cinco meses. Ela já tinha um emprego melhor, sempre trabalhou com limpeza, mas era fixa em uma casa e trabalhava mais três vezes por semana como diarista.
Dos 15 aos 20 anos eu ajudei em casa, praticamente pagava todas as contas.
Dois meses depois de terminar o curso, eu já estava trabalhando em um restaurante de comida árabe como auxiliar de cozinha e ganhava R$ 790.
Naquele mesmo ano, consegui duas bolsas de estudos pelo Prouni. Fiz o Enem de novo e peguei bolsa pelo programa em um curso de gestão de eventos.
Trabalhei todo o período da faculdade. Levantava às 6h, trabalhava até as 17h, depois ficava na faculdade até as 23h.
Como estava quase terminando a faculdade, fui convidado para dar aula na Gastromotiva, em 2011. Dei aula de ecogastronomia, que é o aproveitamento integral dos alimentos.
Esse curso abriu muitas portas para mim. Era muito fácil arrumar emprego.
Quando consegui a oportunidade de dar aula, passei a ter mais contato com o David, fazer eventos com ele, que sempre me deu muitas dicas profissionais.
CHEF DE COZINHA
Troquei três vezes de emprego como auxiliar de cozinha. Depois comecei a trabalhar como confeiteiro, sempre com indicação da Gastromotiva. Por fim, virei chef e sócio em um restaurante vegetariano.
A coordenadora da Gastromotiva me perguntou se eu estudaria gastronomia na Itália se tivesse oportunidade. É claro, disse. Depois de um ano ela surgiu, mas precisava falar inglês e eu não falava nada.
Comecei a estudar inglês. Fui reprovado por duas vezes para essa bolsa na Itália. Nesse meio tempo, fiz um MBA em gastronomia.
Depois de três anos de inglês, não falava quase nada ainda. Larguei tudo que estava fazendo e comecei a estudar 12 horas por dia para passar na prova e conseguir a bolsa.
Passei com bolsa de estudos, que inclui a residência na Itália, transporte, alimentação, as viagens didáticas e o material.
Estou completando quase dois anos aqui em Bra, uma cidade pequena na região do Piemonte. Faço graduação em ciências gastronômicas.
O curso é em inglês e em italiano, línguas que me aperfeiçoei e aprendi aqui. Faço cinco viagens por ano para aprender pratos de outras regiões da Itália e do mundo.
Quero absorver todo esse conhecimento e depois voltar ao Brasil para dar aula na Gastromotiva e ter meu próprio projeto social de gastronomia.
Esses trabalhos sociais são cruciais. Nunca pensei que pudesse morar na Itália e viajar por outros países estudando.
Vejo muitas pessoas em situação igual a que eu tinha antes, sem perspectiva de futuro. Às vezes, o emprego é difícil, o salário no Brasil é muito baixo.
Como dar perspectiva para quem está passando dificuldade? O trabalho da Gastromotiva é mostrar para as pessoas que elas têm um caminho e podem ser bem sucedidas.
Por: OLÍVIA FREITAS/FOLHA