Itália quer investir em projetos militares, de infraestrutura e energia no país
Com o desfecho do caso Cesare Battisti, a relação política entre o Brasil e a Itália ficou sem o seu maior entrave dos últimos doze anos. O fim dessa divergência, que fez com que as visitas de autoridades italianas ao País ficassem praticamente suspensas, deve turbinar acordos comerciais e militares.
Há duas semanas, a ministra da Defesa italiana esteve no Brasil depois de sete anos. O primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, deve desembarcar em março e o presidente Bolsonaro já confirmou que irá a Itália ainda neste ano. A reaproximação política deve facilitar novos acordos comerciais e militares e a Itália vê oportunidades nas áreas militar, de infraestrutura, energia e soluções via satélite. A gigante italiana Telespazio, de satélites, já faz um trabalho em Brumadinho e poderia fazer um mapeamento de barragens. Mas há outras oportunidades em vista, a construção de corvetas para a Marinha brasileira, projetos em ferrovias e em energia. As informações são do embaixador da Itália no Brasil, Antonio Bernardini, em entrevista ao portal R7.
Qual foi o maior problema no caso Battisti?
O maior problema foi a dificuldade de explicar a diferença de percepção entre o governo brasileiro do PT e os governos italianos tanto de esquerda quanto direita sobre a natureza do Battisti. É muito interessante porque parece que no Brasil era uma batalha política entre a esquerda e a direita. Os jornais falavam do Battisti como um ativista, que é uma definição problemática. Porque ativista significa que é um refugiado político, que tem um problema de ideias políticas diferentes. No caso da Itália, essa diferença na política italiana não existia. Porque os governos de direita e esquerda tinham a mesma visão. O caso do Battisti era de um terrorista, de um criminoso comum, que foi condenado depois de processos na Justiça.
Fui questionado na televisão “o que você acha das declarações do ex-ministro Tarso Genro que no tempo em que Battisti estava na Itália era uma ditadura?”. Tudo isso é uma percepção da situação italiana totalmente errada. Na verdade esse foi um período muito difícil. O problema da Itália era, como uma democracia pode resistir, combater o terrorismo sem mudar as regras de uma democracia. Essa era a questão. Quando os membros dos sindicatos, do partido comunista foram mortos pelas brigadas vermelhas isso aumentou as forças democráticas para combater tudo isso. Essa experiência histórica muito trágica da Itália no debate brasileiro não existe, não entrava. Houve um problema também da esquerda italiana de falar com a esquerda brasileira, de explicar a situação. O presidente da República, que era Giorgio Napolitano, da esquerda, comunista, escreveu cartas para Lula explicando o sentimento do povo italiano sobre a história do Battisti, mas isso não adiantou. Isso começou a mudar com o afastamento da Dilma Rousseff. Com o presidente Temer, a percepção foi muito clara que o Brasil estava pronto para mudar essa percepção em relação ao Battisti.
E isso teve efeitos econômicos importantes?
Se olharmos a história da presença italiana no Brasil não podemos dizer que o efeito Battisti tenha sido tão sensível porque empresas que tinham investimentos no Brasil continuaram as atividades. Foi mais um problema político mesmo. Mas é claro que todos os governos têm uma função de estimular a atividade econômica e empresarial no exterior. E, claro que quando há um problema político há impacto.
Mas já podemos ver mudanças, com a visita da ministra da Defesa e o projeto da construção de corvetas para a Marinha brasileira?
A questão das corvetas que já se fala há muitos anos. Há a necessidade da Marinha de ter essas corvetas. Há uma percepção que vá aumentar o investimento militar no Brasil porque há muitos militares no governo, mas todo governo tem que olhar o seu orçamento, é preciso ter o dinheiro. O programa de corvetas é anterior, não começa com esse governo. Esse governo vai decidir qual empresa irá construir as corvetas.
A proposta da visita da ministra Trenta era trazer um cardápio de possibilidades de aproximação entre Brasil e Itália. A ideia é muito simples. Países como Itália e Brasil não são superpotências militares como os EUA, Rússia e China, que têm a vantagem de ter um programa nacional de desenvolvimento militar. Nós olhamos parceiros e programas específicos. Olhando as necessidades das forças armadas italianas e das forças armadas brasileiras. Temos uma experiência positiva programa com o AMX, coprodução Ítalo Brasileira que criou a Embraer. Acreditamos que teremos outras oportunidades para ampliar essa parceria que implica em transferência de tecnologia e podemos também olhar juntos as oportunidades no mercado internacional. Com certeza no campo do espaço satelitar, de satélites, temos certeza que há possibilidades e interesses.
No caso recente do desastre de Brumadinho, as tecnologias italianas são utilizadas para monitorar situação do meio ambiente e segurança da barragem. Na verdade, agora a Telespazio está fazendo o mapeamento da área. Essa tecnologia é muito importante para ser utilizada no meio ambiente. Não é uma tecnologia ótica, é uma tecnologia com radar, que funciona também quando tem nuvens. A Telespazio está no Brasil há vinte anos. E no campo da aviação também há possibilidade de cooperação, e não de vender.
O caso da visita da ministra da defesa é emblemático porque acontece no início da atividade do governo Bolsonaro. Em fevereiro no Rio vamos organizar um seminário sobre energia elétrica. Porque no ano passado uma empresa italiana comprou a Eletropaulo, Enel, é agora é a maior distribuidora de energia elétrica no Brasil. Porque distribui energia nos Estados do Rio, São Paulo, Goiás e Ceará. E é líder de produção solar e eólica. É uma empresa muito avançada, líder no mundo no sistema de controle digitais. E será interessante em uma realidade em São Paulo. É uma nova visão da produção de energia elétrica totalmente baseada com energias renováveis com aplicação de tecnologias digitais. O CEO na Enel, é da energia nuclear, então é interessante sair da energia nuclear para ser essa ser líder em energia renovável.
Governo brasileiro está de olho num programa de desenvolvimento de infraestrutura no País. Acho muito interessante, pois as empresas italianas têm presença relevante, como nas concessionárias, Ecorodovias em São Paulo e agora tem a Abertis [espanhola] comprada pela Atlantia [italiana], mas também o discurso das ferrovias. Não sei se trem bala, gostaríamos muito de trabalhar nisso. A Itália é um dos poucos países que tem duas companhias que utilizam a mesma infraestrutura ferroviária com concorrência.
Mas teria que melhorar a malha brasileira antes não, que foi abandonada por anos?
É muito interessante em São Paulo, há testemunhos de imigrantes que chegaram ainda em 1800 que falam que vieram o trem pela primeira vez aqui. Que não existia na Europa, não em todos os lugares, mas existia no Brasil. Eu falei com o ministro da Infraestrutura e ele me falou das prioridades nas ferrovias, sobretudo para transporte de safra. E estamos olhando também com empresas italianas uma possibilidade de revitalizar a projeto da transnordestina. Um projeto que não era muito bem estruturado. Ferrovias serão estratégicas no País.
Em que a Itália poderia ajudar o Brasil nas negociações com a União Europeia?
O acordo UE-Mercosul é muito importante é preciso ter dimensão do que poderia proporcionar. Estão muito perto e há pontos críticos, historicamente na agricultura, pontos delicados nas negociações. Como o presunto de parma, na Itália, que estamos esperando há mais de 20 anos a denominação de origem. Há uma boa visão das possibilidades no futuro. A Itália tem que facilitar e trabalhar nas relações com o Brasil para criar um consenso, mas pensando que algumas coisas são muito delicadas. Estamos em período de baixa popularidade de acordos multilaterais no mundo.