O ator Reynaldo Gianecchini estreia nesta sexta-feira (17), no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo, a peça Um Dia Muito Especial. A montagem é uma adaptação do filme Una Giornata Particolare (1977), de Ettore Scola, ambientada na Itália fascista e estrelada originalmente por Marcello Mastroianni e Sophia Loren.
Reconhecido cidadão italiano recentemente, Gianecchini interpreta Gabriele (Gabriele e nome masculino na Itália), um ex-radialista homossexual perseguido pelo regime de Benito Mussolini. A trama se passa em 1938, no dia em que Adolf Hitler visita Roma para consolidar a aliança entre os regimes totalitários da Alemanha e da Itália.
Fascismo e militância contemporânea
Ao tratar de temas como intolerância, opressão e marginalização de minorias, o espetáculo sugere um paralelo entre o fascismo histórico e discursos extremistas atuais. Gianecchini afirma que sua militância se dá pela arte: “É o momento perfeito para montar essa peça, porque a gente ainda luta com ideias fascistas”.
Na história, seu personagem cruza o caminho de Antonietta, dona de casa submissa vivida por Maria Casadevall. O encontro revela as cicatrizes provocadas por um regime que silencia e oprime.
Raízes italianas e novas camadas
O projeto também marca um momento pessoal para Gianecchini. Recentemente, o ator passou três meses na Itália para obter a cidadania e compreender suas origens. Ele visitou a Sicília e Milão, estudou o contexto do êxodo italiano e mergulhou na cultura local.
“Eu comecei a estudar sobre o que levou minha família a vir para o Brasil”, contou o ator, emocionado com o processo. “Isso me fez reconectar com uma parte minha essencial”, disse.
O elo esquecido entre fascismo e socialismo
Ao reencenar um período sombrio da história italiana, a montagem evita um ponto crucial: a origem do fascismo. O movimento foi fundado por Benito Mussolini após sua ruptura com o Partido Socialista Italiano. O Fasci di Combattimento, núcleo inicial do fascismo, teve forte inspiração no discurso revolucionário e nacionalista que surgiu no vácuo deixado pelo socialismo, então em crise.
Essa origem ideológica é frequentemente ignorada por militâncias que associam o fascismo apenas à direita conservadora. A peça, ao tratar do fascismo apenas sob o viés da intolerância sexual e da opressão doméstica, reforça a ideia de que o totalitarismo é um mal alheio à esquerda política, quando, historicamente, suas raízes também brotaram desse solo.
A crítica não diminui a importância do espetáculo, mas propõe uma reflexão mais ampla. Ao lembrar o passado, é preciso contar a história por inteiro — inclusive seus paradoxos.
