A saga de Giovanni Ceratti começa em uma vila na Itália. E segue eternizada em alimentos com a marca que leva seu nome desde que chegou ao Brasil.
Esse imigrante italiano nasceu em 1897 na pequena vila de Castelmassa, localizada na província de Rovigo, região do Vêneto, norte da Itália.
Terceiro de quatro filhos de uma família modesta, ele cresceu e estudou em Castelmassa, até que veio a Primeira Guerra Mundial e suas nefastas consequências para a Itália.
Na época, Giovanni era dirigente do Sindicato dos Ferroviários. E a chegada de Benito Mussolini ao poder era sinal de tempos de repressão e perseguições políticas.
Com a possibilidade de, mais cedo ou mais tarde, ser preso pelo regime fascista, Giovanni Ceratti decidiu seguir a onda de imigração italiana e veio para o Brasil, onde chegou em 1924, aos 27 anos de idade.
Ceratti encara tragédia e recomeço na nova terra
Em São Paulo, começou a trabalhar em uma mercearia, onde aprendeu a desossar carne. Enquanto isso, conheceu Inês Saravalli, com quem se casou e teve um casal de filhos.
No entanto, o início promissor na nova terra foi impactado por uma tragédia. Sua esposa ficou grávida novamente, mas houve complicações no parto. Além de seu filho morrer, Giovanni também perdeu Inês.
Viúvo e com duas crianças para cuidar, Giovanni seguiu trabalhando e conheceu a família Tosi, comerciantes italianos que tinham um comércio de Secos e Molhados na Rua Quintino Bocaiúva. Com o tempo, ele se apaixonou por Gina, filha caçula da família.
Disposto a dar um passo para reconstruir sua família, Giovanni reuniu suas economias e comprou um terreno na Vila Carioca, em Heliópolis, periferia de São Paulo. Foi ali que construiu uma casa e um pequeno açougue, iniciando assim o próprio negócio.
Ideia do sogro deu início à empresa Ceratti
Ainda com dificuldade para se manter por conta própria, Giovanni ouviu do sogro, comerciante já experiente, um conselho: “Por que não fabrica em seu açougue alguns frios italianos que não encontramos no Brasil?”
Foi a deixa para Giovanni Ceratti iniciar sua pequena fábrica de embutidos, em 1932, produzindo tradicionais frios italianos, como o cotechino (linguiça feita com carne de porco, conhecida como codeguim), a panchetta, a mortadela e o zampone.
Todos os produtos eram elaborados artesanalmente pelo próprio Ceratti. A colônia italiana em São Paulo, saudosa dos embutidos feitos segundo a receita de sua terra de origem, logo se tornou cliente fiel.
A procura pelos frios foi tão grande que em pouco tempo, no ano de 1936, Giovanni abandonou a venda de carnes frescas para se dedicar exclusivamente à fabricação de frios e embutidos de primeira linha.
O nome Ceratti ficou ligado desde o início à qualidade dos produtos. O casal Giovanni e Gina supervisionava pessoalmente a produção, construindo, sem saber, a marca mais tradicional de mortadela do mercado brasileiro.
Trabalho, ampliações e fim de uma era
Na década de 40, a empresa já contava com uma equipe de vendas que atendia toda a capital e o ABC. Nos anos seguintes, foram várias reformas e ampliações e muito trabalho para atender à crescente demanda do mercado. Em 1972, o agora Frigorífico Ceratti passou a distribuir seus produtos em todo o território nacional.
Em 1983, o imigrante italiano Giovanni Ceratti, conhecido por “Seu João” pelos funcionários e amigos, faleceu aos 86 anos, deixando um longo legado de trabalho e respeito aos clientes e consumidores dos produtos Ceratti.
As exportações iniciaram nos anos 2000, incluindo o mercado francês, onde a Ceratti produz o jambón poulet. Esse clássico local traz em sua receita 100% de peito de frango, menos de 2% de gordura, água e sal.
Uma fábrica foi inaugurada em 2005 em Vinhedo, interior de São Paulo. Em 2014 foi fechada parceria com um grupo de cooperativas do Paraná, para aumentar a produção de 2.200 para 2.500 toneladas mensais.
A empresa ficou na família até 2017, quando foi adquirida por 104 milhões de dólares pelo grupo Hormel Foods, uma multinacional norte-americana. Nesse mesmo ano, a Ceratti teve receita líquida de quase R$ 300 milhões.
João e Gina e o legado do trabalho
A mortadela foi criada em 1661 na comuna de Bolonha, na Itália. No entanto, para os brasileiros, a iguaria parece ter surgido na década de 1930, tal sua associação à marca Ceratti.
A Ceratti produz vários tipos de mortadelas, mas a tradicional é a Bologna, com receita original trazida da Itália, que leva 70% de carne bovina e 30% de carne suína, temperadas com sal, pimenta, alho e coentro.
Diversos outros produtos são fabricados pela empresa, como apresuntado, presunto, salame, copa, pastrami, fiambre, lombo, bacon, zampone, tender, peito de frango defumado, linguiças, salsichas e uma linha completa de frios.
Todos esses produtos e toda prosperidade gerada pela marca Ceratti são herança do esforço de Seu Giovanni (ou Seu João) e do entusiasmo de Dona Gina naqueles primeiros anos de dificuldades no Brasil. E fruto da persistência e do trabalho árduo desses imigrantes para criar sua família e, desse modo, ajudar a engrandecer o Brasil.
Por Roberto Schiavon/Italianismo