Por que o governo italiano aprovou um decreto que limita o direito à cidadania por descendência? Quem ganha com essa mudança? E por que Giorgia Meloni, a líder linha-dura, aceitou em silêncio uma proposta vinda de Antonio Tajani, seu vice-primeiro-ministro?
As dúvidas surgem após a publicação do Decreto-Lei 36/2025, que altera o reconhecimento da cidadania italiana iure sanguinis (por sangue). A nova norma impõe restrições com base no local de nascimento e atinge diretamente milhares de ítalo-descendentes.
A proposta foi apresentada por Antonio Tajani, vice-premiê e líder da Forza Italia, sem consulta aos demais partidos do governo. O argumento oficial é o de combater fraudes e aliviar os consulados sobrecarregados.
A oposição, no entanto, enxerga paralelos com práticas do regime fascista. Na era Mussolini, direitos foram retirados por critérios de raça, fé ou ideologia. Agora, o critério é geográfico, segundo os críticos.
Para o atual governo, parte da diáspora representa uma ameaça.
Meloni, contrária ao ius soli, teria evitado confrontar Tajani para não perder apoio no Parlamento. A Forza Italia detém cerca de 10% dos assentos — o suficiente para derrubar o governo. Mas até que ponto esse silêncio é estratégico?
Nem Meloni, nem Matteo Salvini (Lega) se manifestaram sobre o decreto, mesmo com o impacto sobre milhões de consumidores do “made in Italy”. Alegam não ter participado da redação do texto, mas tampouco tentaram impedi-lo.
Com o impasse, juristas esperam que a Corte Constitucional declare a medida inconstitucional. Também há discussões sobre uma eventual denúncia à Corte Europeia de Direitos Humanos.
Governar é representar todos. Negar direitos com base no local de nascimento remete a tempos obscuros da Itália. O Judiciário deverá garantir o respeito à Constituição.
Enquanto isso, a mobilização continua. A luta dos ítalo-descendentes é jurídica e política: lembrar quem propôs, quem apoiou — e quem se calou.
