Sem surpresas, o Senado da Itália aprovou nesta quinta-feira, 15 de maio, o projeto de lei que limita o direito à cidadania italiana por descendência. O texto, que converte o abusivo decreto-lei nº 36/2025, recebeu 81 votos favoráveis e 37 contrários, em uma sessão com quórum reduzido: apenas 119 dos 205 senadores aptos participaram da votação.
A baixa participação foi interpretada como sinal de desinteresse político sobre o tema. O governo optou por iniciar a tramitação no Senado justamente com esse projeto por prever maior facilidade de aprovação, já que a coalizão governista possui maioria tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados.
O texto segue agora para a Câmara, onde a votação está prevista para ocorrer entre 22 e 23 de maio.
A tramitação ocorrerá sob voto de confiança, instrumento parlamentar que impede emendas e acelera a aprovação. Com isso, o texto será aprovado tal como veio do Senado, evitando que o prazo legal de 60 dias para conversão do decreto em lei expire.
Critérios mais rígidos
O projeto insere restrições ao reconhecimento automático da cidadania jure sanguinis, ou seja, por laços de sangue. Entre as novas exigências, está a comprovação de vínculo efetivo com a Itália.
Passam a ser requisitos:
- Ascendência direta de até segundo grau com cidadão que detinha exclusivamente a cidadania italiana;
- Residência legal na Itália de ao menos dois anos do genitor italiano após o reconhecimento e antes do nascimento ou adoção do descendente;
A proposta revoga trechos da legislação anterior que permitiam o reconhecimento sem limite temporal ou necessidade de vínculos concretos com o Estado italiano.
Segundo a exposição de motivos que acompanha o decreto-lei, o governo afirma que a antiga lei favorecia a criação de uma base crescente de cidadãos italianos sem ligação real com o país, o que representaria um risco para a segurança nacional e para a União Europeia, além de sobrecarregar consulados e tribunais.
Durante a votação do projeto de lei que limita o reconhecimento da cidadania italiana por descendência, nesta quinta-feira (15), o senador Roberto Cataldi, do Movimento 5 Estrelas (M5S), fez um pronunciamento contundente em defesa das comunidades italianas fora da Itália.
Ele mencionou especificamente as comunidades do sul do Brasil, formadas por descendentes que mantêm viva a língua, o dialeto e os costumes italianos. “Como vocês podem dizer que eles não são italianos? Eles vivem em cidades com nomes italianos, falam o dialeto vêneto e conservam as tradições há cinco gerações”, disse Cataldi, em tom de indignação.
O parlamentar afirmou que o governo está tratando a questão da cidadania “como mera burocracia” e ignorando a trajetória de milhões de pessoas de origem italiana que vivem no exterior. “Estão tratando os italianos que vivem longe da sua terra como se fossem apenas práticas a serem descartadas”, declarou.
Ponto frágil do decreto
O núcleo da reforma está no art. 3-bis do decreto-lei nº 36/2025, que determina que quem nasceu no exterior e possui outra cidadania será considerado como nunca tendo adquirido a cidadania italiana, salvo em casos expressamente previstos.
Esse artigo altera a interpretação histórica da legislação italiana e afeta inclusive situações anteriores à sua entrada em vigor, o que, segundo juristas e senadores da oposição, fere o princípio constitucional da irretroatividade das leis. Além disso, pode violar direitos adquiridos de milhares de pessoas que já haviam dado entrada no processo – ou nas filas dos consulados – com base em normas anteriores.
A oposição classificou o decreto como “abusivo” e alertou que sua redação abre caminho para ações nos tribunais italianos, com possibilidade de questionamento na Corte Constitucional.
O que diz o texto aprovado: pontos-chave e polêmicas
O projeto de lei aprovado no Senado introduz mudanças significativas no reconhecimento da cidadania italiana por descendência. A seguir, os principais pontos:
1. Processos iniciados até 27/03 seguem válidos
Pedidos protocolados no consulado ou no município italiano com agendamento formal informado ao interessado até as 23h59 (hora de Roma) de 27 de março de 2025 serão aceitos, conforme o art. 3-bis, letra a-bis.
2. Menores nascidos até 27/03/2025
Filhos menores de idade de cidadãos reconhecidos até essa data poderão ter a cidadania reconhecida até 31 de maio de 2026, conforme o art. 4, comma 1-ter da Lei 91/1992, com nova redação.
3. Menores nascidos a partir de 28/03/2025
Para os nascidos após essa data, a cidadania poderá ser reconhecida desde que o registro ocorra até um ano após o nascimento ou após o reconhecimento da filiação (inclusive adotiva). Também é exigido que o menor resida legalmente por dois anos contínuos na Itália, salvo se for recém-nascido, segundo o novo art. 4, comma 1-bis.
4. Exigência de “exclusivamente italiano”
Para reconhecimento automático, é necessário comprovar que o pai ou avô (ascendente de até segundo grau) possuía apenas a cidadania italiana na data da morte ou no momento da transmissão da cidadania (art. 3-bis, letra c). Esse ponto é visto como juridicamente frágil e deve ser questionado na Corte Constitucional, por criar exclusão com base em critérios de nacionalidade múltipla.
5. Exame de língua italiana (nível B1)
Não há exigência de proficiência linguística (nível B1) para nenhum dos casos previstos no novo texto, exceto nos processos de naturalização já regidos por outras leis.
6. Cidadania por casamento
Não houve alteração nas regras para reconhecimento de cidadania por matrimônio. Os procedimentos seguem conforme previsto na legislação anterior, sem mudanças de prazo ou requisitos adicionais.
