A massa italiana que nasceu no século 15 e até hoje é feita à mão por mulheres
Uma tradição de mais de 500 anos e ameaçada de extinção. As lorighittas, uma massa (pasta, para os mais exigentes) em forma de fios trançados, que são preparadas com conhecimentos passados de geração em geração na Sardenha, mas poucos as conhecem no mundo.
Tradicionalmente, as lorighittas eram preparadas exclusivamente em Morgongiori, uma pequena cidade do Sul da Itália, para a festa anual do Dia de Todos os Santos, em 1º de novembro.
A história por trás do nome lorighittas – derivada ‘lorigas’, palavra sardenha que significa algo parecido com “anel de ferro” – varia dependendo de para quem se pergunta. Agostino Demontis, um chefe de cozinha, é de Segariu, cidade próxima a Morgongiori, onde surgiram as lorighittas; para ele, o nome se refere aos anéis de ferro que eram fixados à parede externa das casas para prender cavalos e bois quando os homens voltavam do campo. Mas há outro significado. Lorighittas também pode ser a palavra sardenha para “orelhas”.
“Às vezes as lorighittas eram preparadas por jovens e adolescentes solteiras que penduravam a massa em suas orelhas depois de secá-las sob o sol. Elas fingiam que eram joias, já que ninguém tinha acesso a ouro naquela época”, contou Demontis.
Situado ao pé do Monte Arci, no Oeste da Sardenha, o vilarejo de Morgongiori remonta a milhares de anos, desde o período nurágico, entre os anos 900 e 500 a.C. Os primeiros colonos chegaram ao local no século 6º a.C. em busca de obsidiana, uma pedra preciosa de cor preta que se forma a partir das lavas vulcânicas da região. Hoje, a vila de 800 habitantes é talvez conhecida por tapeçarias e artesanato, tradicionalmente feitos em antigos teares horizontais e preservados no Museu Vivo de Arte Têxtil. A segunda atividade manual mais conhecida é a lorighitta, que está ameaçada de extinção, segundo a fundação Slow Food’s Ark of Taste.
“Lorighittas são muito valiosas porque corremos o risco de perdê-la totalmente”, disse Raimondo Mandis, diretor da organização Slow Food Cagliari, em entrevista por telefone. “Já não restavam nem dez mulheres produtoras manuais de lorighittas, e isso em uma base sazonal”.
O primeiro registro histórico das lorighittas data do século 16 de um testemunho que menciona uma massa peculiar com trançado em forma de anel na Sardenha. O relato foi feito pelo rei da Espanha, que na época detinha o controle da maior parte do Sul da Itália, incluindo Sardenha, Nápoles e Sicília, e que perguntara sobre as atividades econômicas da ilha.
Geração de mulheres
As mulheres em Morgongiori ainda seguem a mesma técnica de centenas de anos. Elas amassam a mistura por no mínimo 30 minutos, geralmente muito mais, ocasionalmente pingando água salgada até que ela fique maleável. Assim que a massa está pronta e os pedaços de lorighittas são trançados, eles são deixados em um cesto de bambu para secar. Essa é uma boa hora para começar a preparar o molho.
Em Morgongiori, o ragu típico inclui frango ou pombo (uma espécie apropriada para o consumo), cebola, alho, salsinha, vinho branco e polpa de tomate (tomato passata). Depois de cozinhar as lorighittas (por menos de três minutos), elas são revestidas pelo ragu e queijo pecorino fresco.
Parece bem fácil, mas quatro horas e menos de dez peças de lorighittas depois, acabei desistindo. Talvez elas não tenham saído como planejado porque sou casada e vivo em um apartamento de um quarto em Jersey, nos EUA – ou talvez eu precise de mais alguns séculos de prática.
O esforço de se manter as lorighittas começou em 1994, quando o Conselho Municipal de Morgongiori decidiu sediar um festival dedicado à especial massa. O prefeito Renzo Ibba contou que a cidade convidou os mais aclamados chefs da Sardenha – incluindo Roberto Petza, dono e chef do estrelado S’apposentu di Casa Puddu em Siddi, um vilarejo na parte central da Sardenha, não muito longe de Morgongiori – para apresentar receitas diferentes com a massa.
“O conselho municipal também envolveu pequenos produtores locais (no caso, todas mulheres) para dar nova vida à tradição”, explicou Ibba.
Morgongiori hoje dedica o primeiro domingo de agosto às lorighittas no festival Sagra Delle Lorighittas para promover seu legado.
“Graças a alguns bons chefs, estamos vendo lorighittas nos menus de restaurantes ao redor do país; elas são muito mais comuns agora”, disse Mandis. “Em geral, são encontradas em restaurantes renomados, e é bom ver algo que estava praticamente perdido sendo revitalizado”.
Com informações de Michelle Gross / BBC News