O cinema brasileiro é um dos destaques do 81º Festival de Veneza, entre 28 de agosto e 7 de setembro, com uma participação abrangente que vai desde a disputa pelo Leão de Ouro até a seção de realidade virtual, reafirmando-se após as dificuldades da era Bolsonaro.
O carro-chefe da participação do Brasil na mostra é o novo filme de Walter Salles, “Ainda estou aqui”, que conta a história verídica de Eunice Paiva, esposa do ex-deputado Rubens Paiva, perseguido, sequestrado e morto pela ditadura militar.
O elenco brasileiro em Veneza ainda inclui o curta-metragem “Minha mãe é uma vaca”, obra de Moara Passoni ambientada no Pantanal, na seção Horizontes Curtas; “Apocalipse nos trópicos”, documentário de Petra Costa sobre o elo entre bolsonarismo e fundamentalismo religioso, na seleção Fora de Concurso; “A hora e a vez de Augusto Matraga”, adaptação de Roberto Santos para a novela de Guimarães Rosa, na mostra Veneza Clássicos; e a animação em realidade virtual “40 dias sem o sol”, de João Carlos Furia, na seção “Veneza Imersiva”.
Além disso, o cineasta brasileiro Kleber Mendonça Filho (“Aquarius” e “Bacurau”) integra o júri que escolherá os vencedores dos principais prêmios do festival, incluindo o Leão de Ouro.
Para Cao Quintas, professor de cinema e audiovisual na ESPM e sócio da produtora Latina Estudio, essa presença significativa em Veneza é um símbolo da retomada dos incentivos à produção cultural no Brasil após o “desmonte” das políticas de fomento durante o governo de Jair Bolsonaro, que havia extinguido o Ministério da Cultura.
“As pessoas têm interesse em conteúdo brasileiro, e as produtoras estão começando a trilhar um caminho exitoso em festivais e mercados internacionais”, diz o docente em entrevista à ANSA. “E Veneza vem coroar essas novas possibilidades para o cinema brasileiro”, acrescenta.
Já Rubens Rewald, cineasta e professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), afirma que o audiovisual brasileiro ainda sofre os efeitos da “interrupção desastrosa” nos governos de Michel Temer e Bolsonaro, mas destaca que a tendência é o país “voltar a ter uma produção mais rica e diversificada”.
“Walter Salles talvez seja o mais internacional de nossos diretores, e também é significativo ter um cineasta brasileiro no júri. Já o filme da Moara é muito interessante, ela é uma jovem cineasta que trafega entre ficção e documentário. Mas não é uma coisa tão surpreendente [a presença brasileira em Veneza], embora não seja de se jogar fora. Nem tanto lá, nem tanto cá”, salienta o docente da USP.
Humberto Neiva, coordenador do curso de cinema da Faap, vai pelo mesmo caminho e aponta que o Brasil sempre marcou presença em grandes festivais. “É uma continuidade da qualidade dos filmes brasileiros, que são muito bem feitos e têm temáticas importantes, urgentes. Os festivais querem esse tipo de filme”, ressalta.
No Festival de Berlim, a cineasta paulista Juliana Rojas já levou o prêmio de melhor direção por “Cidade; campo” na seleção “Encontros”, e agora os olhos se voltam sobretudo para “Ainda estou aqui”.
Com elenco estrelado, incluindo Fernanda Torres, Fernanda Montenegro e Selton Mello, pesos pesados do cinema brasileiro, o filme é inspirado no livro do jornalista Marcelo Rubens Paiva sobre sua mãe e marca o retorno de Salles ao festival onde se apresentou com “Abril Despedaçado” em 2001.
“Quem conhece o trabalho do Walter Salles sabe que ele faz filmes muito bem feitos, bem elaborados, com atores muito bons, então espero que traga reflexões importantes para o momento atual”, aponta Quintas. (ANSA)