O julgamento da validade do Decreto Tajani, que alterou as regras da cidadania italiana por descendência, está marcado para 11 de março de 2026. O relator do processo na Corte Constitucional da Itália será Giovanni Pitruzzella, jurista que já defendeu, em outros casos, que vícios em decretos-lei contaminam a lei de conversão.
O Italianismo consultou duas advogadas especialistas em cidadania italiana que acompanham o caso. Ambas veem a escolha de Pitruzzella como relator com bons olhos e identificam fundamentos jurídicos que podem sustentar a tese de inconstitucionalidade do decreto.
Roberta Aveline: “A ilegitimidade é clara desde a origem”
A advogada Roberta Aveline destaca que, segundo o próprio relator, o decreto-lei precisa obedecer a três requisitos constitucionais: ser extraordinário, urgente e necessário.
“Conforme o relator, no seu livro, o decreto-lei precisa respeitar três requisitos fundamentais: deve ser extraordinário, urgente e necessário, e a conversão em lei não afasta o vício da origem. No caso do Decreto Tajani, entendemos que nenhum dos requisitos foi observado, o que nos faz bem esperar que seja declarada a ilegitimidade inconstitucional desde a origem”, afirma Aveline.
Ela acrescenta que o conteúdo da nova legislação também apresenta falhas de mérito: “As alterações feitas na lei que trata da cidadania italiana foram promovidas sem observar princípios caros ao ordenamento jurídico, como a irretroatividade das leis, como previsto no art. 11 das Preleggi, e o princípio da igualdade, pois criou subcategorias de cidadãos italianos, gerando situações amplamente discriminatórias dentro das famílias”.
Maria Stella La Malfa: “Urgência é pretexto”
A advogada Maria Stella La Malfa questiona a base constitucional do decreto. Para ela, o governo utilizou indevidamente a decretação de urgência.
“A decretação do estado de urgência revela-se claramente “pretestuosa” (falsa). A matéria em questão é conhecida há décadas e não surgiu repentinamente, de modo que não se pode alegar qualquer imprevisibilidade ou excepcionalidade que justificasse o recurso ao decreto-lei”, argumenta.
La Malfa cita ainda antecedentes legislativos para reforçar que o tema é de conhecimento antigo do Estado: “O Decreto do Presidente do Conselho de Ministros n. 33/2014 já havia ampliado prazos, criado taxas e redistribuído os processos entre os tribunais. Tudo isso demonstra que a disciplina da matéria tem ocorrido de forma progressiva e ordinária.”
Sobre o relator, a advogada também se manifesta de forma positiva: “A escolha dele como relator revela-se particularmente adequada. Tive a oportunidade de tê-lo como professor na faculdade e posso afirmar que se trata de uma pessoa extremamente atenciosa e rigorosa.”
Apesar do histórico do juiz, La Malfa ressalta que é preciso cautela: “O fato de ele já ter se manifestado anteriormente sobre a questão da decretação da urgência constitui, sem dúvida, um elemento favorável. Ainda assim, é necessário manter cautela e ter plena consciência de que cada caso possui suas peculiaridades e deve ser analisado de forma autônoma.”
A sentença da Corte está prevista para ser publicada em abril de 2026. Ela poderá impactar todos os pedidos de cidadania apresentados após a entrada em vigor da nova lei, em março de 2025.
O relator e o impacto da decisão
O nome de Pitruzzella chama atenção porque, em decisões anteriores da Corte, ele defendeu limites constitucionais ao uso dos decretos‑lei. Esse entendimento foi reafirmado na sentença 245 de 2022, que tratou da conversão de um decreto “milleproroghe”.
Cristina Bertolino, professora titular de Instituições de Direito Público na Universidade de Estudos de Turim, destaca esse ponto em sua análise. “O vício genético do decreto-lei se propaga para a lei de conversão; trata-se, em outras palavras, de um vício in procedendo, que compromete todo o processo de produção normativa”.
Na ocasião, a Corte concluiu que o Parlamento não pode incluir na lei de conversão dispositivos totalmente estranhos ao conteúdo original do decreto‑lei. Quando isso ocorre, há um “vizio in procedendo, um defeito formal que pode levar à invalidação da norma.
A decisão destacou que o artigo 77 da Constituição italiana exige coerência entre o texto original do decreto e as alterações feitas durante sua conversão. O vício na origem, portanto, não desaparece com a aprovação parlamentar e pode contaminar toda a lei.
Embora o caso de 2022 não envolvesse cidadania italiana, o princípio estabelecido pode influenciar o julgamento do Decreto Tajani. O texto aprovado em 2025 foi significativamente alterado durante sua tramitação, o que é questionado por juristas e advogados da área.
✅ O QUE DIZ A SENTENÇA 245/2022
- O decreto-lei precisa respeitar os pressupostos constitucionais de necessidade e urgência (art. 77 da Constituição italiana).
- A lei de conversão não pode conter conteúdos estranhos ao decreto original.
- Um vício de origem no decreto não desaparece com a aprovação parlamentar.
- Quando isso ocorre, há um “vício in procedendo” — um defeito formal que compromete toda a norma, mesmo após convertida em lei.
✅ O QUE DEFENDEM AS ADVOGADAS
1. Roberta Aveline afirma que:

- O Decreto Tajani não atendeu aos requisitos constitucionais de urgência, necessidade e excepcionalidade.
- O vício de origem permanece, mesmo após a conversão em lei — exatamente o que diz a sentença.
- A lei teria violado princípios como irretroatividade e igualdade, reforçando a tese de inconstitucionalidade.
2. Maria Stella La Malfa diz que:

- A urgência alegada pelo governo foi pretestuosa, pois o problema é conhecido há anos.
- O tema deveria ter sido tratado pelo trâmite legislativo ordinário, e não por decreto — o que reforça a tese de ausência de pressupostos válidos para um decreto-lei.
- Isso vai ao encontro do entendimento da Corte, que veda o uso indevido do instrumento de urgência para alterar normas relevantes sem justificativa concreta.


























































