Na pitoresca cidade de Val di Zoldo, localizada a 115 quilômetros de Veneza, uma cena curiosa está chamando a atenção.
O prefeito Camillo De Pellegrin decidiu manifestar sua frustração diante do notável aumento de solicitações de cidadania italiana provenientes do Brasil. Em um gesto surpreendente, ele hasteou a bandeira brasileira ao lado das tradicionais bandeiras italiana, da Comunidade Europeia e do próprio município.
Com mais de quase 500 processos pendentes — alguns ainda de 2018 e 2019 –, a administração local parece estar enfrentando um volume considerável para uma estrutura pequena, levando o líder municipal a uma atitude peculiar de protesto.
Além de hastear o símbolo brasileiro na fachada da prefeitura, a cidade foi temporariamente renomeada como “Comune di Val di Zoldo del Brasile, Stato del Rio Grande do Sul”, em um toque irônico à situação.
O prefeito, ao anunciar publicamente sua decisão, deixou claro que dará prioridade às demandas dos cidadãos ítalo-brasileiros para evitar possíveis complicações legais. Ele expressou sua intenção de abordar inicialmente os pedidos de cidadania por descendência sanguínea, alinhando-se às diretrizes estabelecidas pelo Estado.
Criado em 2016 a partir da junção das comunas de Forno di Zoldo e Zoldo Alto, Val di Zoldo conta com pouco mais de 3 mil residentes, e conta com 1.600 membros registrados no AIRE, o Registo dos Italianos Residentes no Estrangeiro.
Raiz do problema
Traduzimos o desabafo do prefeito, publicado em sua conta na conta do Facebook, que conta com mais de 5.500 seguidores:
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Prioridade será dada aos processos dos cidadãos ítalo-brasileiros para evitar a exposição do comune a possíveis recursos, denúncias ou pedidos de indenização.
Primeiramente, lidaremos com as cidadanias por direito de sangue e, posteriormente, com nossos residentes, conforme determinado pelo Estado. Comune di Val di Zoldo del Brasile, Stato del Rio Grande do Sul.
Hastearemos também a bandeira brasileira. Na prática, os departamentos de estado civil, registro civil e eleitoral trabalharão predominantemente para este país, não mais prioritariamente para os cidadãos italianos, em detrimento da eficiência dos serviços para estes últimos.
São 551 registros civis provenientes do exterior aguardando transcrição. As solicitações mais antigas datam de 2018–2019.
Um acúmulo que cresce exponencialmente desde que a cidadania por direito de sangue, um negócio significativo nem sempre alinhado à legalidade, pode ser reconhecida judicialmente em vez de administrativamente, através do consulado italiano no exterior, como seria normal.
O motivo? No consulado, a espera pelo reconhecimento da cidadania italiana por direito de sangue é de décadas, levando à astuta estratégia de buscar o reconhecimento por meio de um tribunal italiano, pulando a fila consular, para aqueles que têm os recursos para nomear um advogado na Itália.
O resultado é que os municípios são sobrecarregados com a transcrição de dezenas de registros de nascimento, casamento, divórcio e morte. E então eles precisam ser registrados no AIRE e nas listas eleitorais… e assim por diante. Isso ocorre de forma contínua.
O correio chega e entrega o pacote de registros, com a sentença do tribunal, geralmente de Roma, acompanhada de uma ordem para cumprimento.
E então, o que fazemos? Tentamos remediar, correndo atrás das intimações dos advogados que ameaçam com denúncias por omissão de atos oficiais, compensações e apelações por falta de transcrições.
No entanto, como há não apenas os processos brasileiros para gerenciar, ficamos para trás, e eventualmente o recurso chega, como acabou de acontecer em Val di Zoldo com um recurso ao TAR por não cumprimento de uma sentença.
É mais um escândalo relacionado ao iure sanguinis. E certamente não é um problema exclusivo de Val di Zoldo, dezenas e dezenas de municípios estão sobrecarregados com esses processos.
Alguém, em algum momento, buscará a “raiz” do problema?