Aprovado ontem, 15 de maio, no Senado italiano, o decreto que modifica o reconhecimento da cidadania italiana gerou revolta entre ítalo-descendentes. A nova regra, originada do Decreto-Lei 36, precisa ainda da aprovação da Câmara dos Deputados para se tornar definitiva.
E todos agora buscam um culpado.
A medida restringe drasticamente o direito de transmissão da cidadania por descendência direta, afetando milhões de brasileiros. O nome do vice-premiê Matteo Salvini, no entanto, não aparece no texto do decreto nem nas principais discussões. Também não houve qualquer declaração pública de sua parte antes da votação.
Salvini gravou um vídeo elogiando a diáspora, sobretudo no Vêneto — berço político da Lega, o seu partido. Apesar disso, não moveu esforços concretos. Iludiu aliados como o ex-deputado ítalo-brasileiro Luiz Roberto Lorenzato e o empresário Marcelo de Carvalho, dono da RedeTV! e militante político, que viajaram às pressas à Itália para tentar intervir.
Segundo Lorenzato, uma emenda para retirar o termo “exclusivamente italiano” do decreto quase foi protocolada. “Faltaram três minutos”, disse. O prazo expirou, e a proposta sequer entrou em pauta.
Diáspora ignorada
Na prática, a votação foi simbólica. A ausência de membros da Liga, de Salvini, e a baixa mobilização no Senado — apenas 119 dos 205 senadores votaram — demonstram o desinteresse político pelo tema. Foram 81 votos a favor, 31 contrários. A oposição, caso estivesse presente em peso, poderia ter barrado o decreto.
A diáspora italiana, formada por mais de 80 milhões de descendentes em todo o mundo, continua sendo um tema incômodo para a Itália. O país nunca digeriu bem o êxodo de seus cidadãos. Ao longo de 150 anos, tratou o assunto como menor, empurrando-o para debaixo do tapete. Ontem, o tapete foi jogado fora junto com a causa.
Culpa coletiva e silêncio generalizado
A responsabilidade não recai sobre figuras como Lorenzato ou Marcelo de Carvalho. Nenhum dos dois ocupa cargos parlamentares. Sem direito a voto, suas ações, ainda que politicamente motivadas, não tiveram impacto direto.
A verdade é que nem as associações de italianos no exterior, nem os conselhos de representação — como o CGIE — conseguiram influenciar a decisão. A mobilização da comunidade, com protestos e um abaixo-assinado de mais de 110 mil assinaturas, teve efeito apenas simbólico. Aliás, 110 mil assinaturas num universo de 30 milhões de descendentes no Brasil representam pífios 0,37%. Nem a própria comunidade se interessou.
Os nomes que poderiam ter interferido optaram pelo silêncio. A primeira-ministra Giorgia Meloni evitou tratar do tema publicamente, por exemplo.
A senadora Francesca La Marca, eleita no exterior com votos da comunidade italiana e integrante do Partido Democrático, sequer compareceu à votação.
O resultado? A esterilização simbólica da diáspora. Milhões de descendentes deixam de ter acesso à cidadania pelas vias administrativas, ainda que a via judicial permaneça como possibilidade.
Herança de sangue
A comunidade ítalo-brasileira não precisa de uma lei para confirmar sua identidade. O sangue herdado de imigrantes que deixaram a Itália em tempos difíceis carrega a herança de uma história real, que agora o Estado italiano optou por negar.
Ao manter a cidadania como um privilégio exclusivo — e não como um direito histórico —, o país demonstra que ainda não aprendeu a lidar com a sua própria diáspora.
E, diante de tudo isso, alguns ainda preferem ficar em cima do muro.
