Entenda o que estava por trás de um ditador radicalmente anticlerical deixar a Igreja ter um Estado independente na capital da Itália
“O Vaticano confia nas novas realidades políticas muito mais do que o fez com a antiga democracia liberal. A Igreja reconhece que as ideias fascistas estão mais próximas da cristandade do que o liberalismo judeu”. Foram essas as palavras de comemoração de Hitler após o Cardeal Pietro Gasparri assinar um acordo com a Itália fascista de Mussolini – através do Tratado de Latrão.
A briga entre a Igreja e o estado italiano começou lá em 1870, quando o rei Vítor Emanuel II invadiu Roma e incorporou a cidade ao seu reinado – tal cidade que era território católico desde que foi cedido em 756 pelo Pepino, o Breve. O rei Emanuel II tentou fazer um acordo com o Papa da época Pio IX, que não concordou em fazer parte de um estado laico.
A situação não deve ter parecido melhor quando Benito Mussolini, um radical anticlerical que chegou a ordenar a Deus a matá-lo publicamente para provar que não existia, ascendeu ao poder, em 1922. Em 1938, muito depois desta foto, ainda falava do Papa como um “tumor maligno”. No final da vida, Mussolini passou a falar em Deus – possivelmente não mais sincero que Hitler se fingindo de cristão.
O fato é que, como o eficiente demagogo que era, entendia a diferença entre seus sentimentos e os da população italiana. Assim, no dia 11 de fevereiro de 1929 que o ditador, no Palácio de Latrão, sentou-se com o Cardeal Pietro Gasparri, colocou os papéis na mesa e fez o acordo: formalizou-se o estado do Vaticano com autoridade total ao Papa sendo chefe de estado, tendo ainda poder sob os territórios vizinhos como o Palácio de Castelgandolfo e a Basílica de São João de Latrão, Santa Maria Maior e São Paulo Extramuros. Além de o Vaticano ter ganhado indenização de 90 milhões de dólares, o ensino religioso começaria a ser obrigatório nas escolas, o casamento teria efeitos civis e o divórcio foi proibido.
Só em 1978 a religião católica deixou de ser oficial na Itália – e assim o país finalmente deu mais um passo para o que chamamos de laico (mesmo nunca sendo 100%).
Por MARIANA RIBAS / Originalmente publicado em Aventuras na história