Mesmo diante de mudanças severas nas regras para o reconhecimento da cidadania italiana, o embaixador do Brasil em Roma, Renato Mosca de Souza, permanece em silêncio. O decreto-lei aprovado no fim de março e o projeto que avança no Senado italiano ameaçam o direito de milhões de brasileiros descendentes de italianos — mas até agora, nenhuma posição oficial foi apresentada pela embaixada.
Mosca de Souza é ítalo-descendente. Representa, simbolicamente e politicamente, uma comunidade estimada em 30 milhões de brasileiros com origens italianas. Ainda assim, optou por não se manifestar sobre as restrições propostas pelo Decreto-Lei 36/2025 e pelo Projeto de Lei S.1450, que impõem novos critérios à transmissão da cidadania por sangue (iure sanguinis).
As novas regras limitam o reconhecimento da cidadania italiana a filhos e netos de italianos nascidos na Itália. Se o pai ou a mãe do requerente não tiverem nascido no país, será necessário comprovar que esse genitor viveu legalmente na Itália por pelo menos dois anos antes do nascimento do filho. A exigência reforça a ideia de um vínculo territorial obrigatório, mesmo quando o laço familiar é direto.
O projeto que tramita no Senado amplia essas restrições e, na prática, exclui da cidadania os descendentes de quarta geração em diante. Ou seja, bisnetos e seus filhos passam a ter o direito negado — um corte profundo na relação entre a Itália e sua diáspora.
Especialistas em direito sustentam que o decreto contraria o princípio da irretroatividade das leis — é inconstitucional. Isso porque tenta impor exigências a pessoas que, à luz da legislação anterior, já nasceram com direito à cidadania. Aplicar as novas regras a casos passados seria, portanto, juridicamente inadequado.
Diante de um cenário tão delicado, o silêncio da diplomacia brasileira chama atenção. Para parte da comunidade, a ausência de uma resposta clara do embaixador é uma tentativa de evitar atritos com o governo italiano. Para outros, trata-se de omissão diante de um tema que mobiliza milhares de brasileiros.
Nesta semana, em entrevista ao site italiano Gazzeta Diplomatica, Mosca falou sobre sua ligação pessoal com a Itália. “Costumo pensar com frequência na vida difícil do meu avô, que deixou a Itália aos dez anos de idade junto com os irmãos”, disse, ao relembrar a história familiar. O texto destacou “a humanidade e a grandeza” do embaixador, que “não esconde o orgulho de representar o Brasil justamente no país de seus antepassados e que, de certa forma, hoje também sente como seu”.
Apesar do tom afetivo e da conexão pessoal com a história da imigração italiana, Mosca não mencionou, na mesma entrevista, as mudanças na legislação nem o impacto que elas devem causar sobre os brasileiros descendentes.

Renato Mosca já se manifestou sobre o tema da cidadania em outros momentos. Em entrevista ao Il Giornale di Vicenza, defendeu a simplificação dos processos para brasileiros descendentes. Segundo ele, muitos jovens aguardam há anos por uma resposta. “Facilitar o acesso seria benéfico para ambos os países”, afirmou.
Em outra ocasião, ao jornal O Estado de S. Paulo, criticou propostas que dificultam o acesso à cidadania. Disse que são “visões desconectadas da realidade”, considerando a necessidade da Itália de receber trabalhadores estrangeiros diante do envelhecimento da população.
Essas falas, no entanto, não foram retomadas desde a publicação do decreto e da apresentação do novo projeto de lei. Em um momento de mudanças profundas, o silêncio pesa.
Para quem aguarda na fila da cidadania, a ausência de um posicionamento do Brasil na Itália é mais do que incômoda — é preocupante.
Espera-se ação.
Artigo atualizado às 14h55, de 13/04/2025 para constar que:
O embaixador do Brasil na Itália, Renato Mosca de Souza, se manifestou neste domingo, 13 de abril, em resposta à postagem feita na página do portal Italianismo, no Facebook, sobre o decreto-lei nº 36.
A íntegra da manifestação do embaixador:

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