Autor considera lembrança dos males do fascismo; outros criticam que se torna um líder “reabilitado”
Mussolini está invadindo as livrarias da Itália. Há semanas, “M”, o romance de Antonio Scurati sobre a ascensão do ditador Benito Mussolini, está nas listas dos mais vendidos na Itália. O livro será adaptado em uma importante série da televisão. E conquistou a feira do livro de Frankfurt, onde a editora Harper Collins abocanhou os direitos do livro para a língua inglesa. “Na imaginação italiana, Mussolini continua sendo uma espécie de totem, uma figura de grande carisma, um perverso pai nacional que aprendemos a reprimir”, disse Scurati.
A popularidade de “M” não poderia deixar de provocar um debate na Itália sobre o legado mussoliniano. Os defensores do autor afirmam que o livro é uma importante advertência sobre os males do fascismo, particularmente para os jovens. Mas na opinião dos críticos, a ressurreição e esta repaginação de Mussolini para o século 21 aponta os perigos em uma época em que em toda a Europa estão sendo eleitos governos de direita, inclusive na Itália.
O livro, de 839 páginas, dá a impressão de um folheto com sua capa espartana que traz um M preto em campo branco. Embora esteja sendo comercializado como romance, não faz uma distinção muito clara entre romance e livro de história. A obra consiste de capítulos breves, repletos de detalhes e de trechos de telegramas históricos, artigos de jornais, cartas e relatórios policiais. Todas as citações diretas contidas no livro são retiradas de fontes históricas, e Scurati disse que a maior parte da invenção no que se refere aos pensamentos íntimos dos personagens, se baseou também nestas fontes.
Alguns críticos temem que a neutralidade da obra de Scurati, divulgada como o primeiro romance que narra a história do fascismo “sem qualquer filtro político ou ideológico”, poderá reintroduzir Mussolini não como um monstro histórico, mas como um atraente protagonista. Ruth Ben-Ghiat, pesquisadora da New York University, o descreveu como “um sintoma” da reabilitação de Mussolini: “A história do fascismo é uma história da ditadura, do culto da personalidade de um líder”, ela observou.
Mas Scurati, que se diz antifascista, afirma que o seu livro é uma lição sobre a história do antifascismo disfarçada de romance. “Se o fascismo foi um mal, se introduziu o mal na Itália e na Europa, isto deverá fluir naturalmente da narração”, especificou. O romance se inicia em a Itália deprimida de 1919, e narra a crônica da improvável ascensão dos fascistas ao poder. E culmina como o discurso de Mussolini no Parlamento, que os historiadores consideram a entrada em vigor do seu regime. “Entretanto, em certo sentido, esta pessoa ainda está no âmago da consciência italiana”, disse Scurati.
Na Itália, o berço do fascismo, Mussolini jamais carregou o mesmo estigma de Hitler na Alemanha. O ditador até hoje conhecido como Il Duce, desfrutou de amplo apoio do povo nas duas décadas do seu governo, embora perseguisse antifascistas e judeus. Na Itália, hoje, alguns estão dispostos a relevar tudo isto em nome da suposta estabilidade social da era fascista.
Grupos neofascistas italianos, que segundo os especialistas estão atraindo muitos jovens, fazem manifestações em toda a Itália. Em fevereiro, uma comédia de humor negro intitulada “I’m Black” mostrava Mussolini ressuscitando como uma sensação da TV e do YouTube. A vila de Mussolini nos arredores de Rimini tornou-se um lugar popular onde as pessoas realizam casamentos, enquanto o seu túmulo em Predappio atrai multidões de visitantes. Scurati contou que recebeu cartas de jovens leitores entusiasmados com o seu livro que, declaram, os prendeu muito mais do que as aulas de história da sua escola.
“Os jovens não pertencem à cultura do fascismo, e nem da cultura do antifascismo. Eles são tábula rasa”, afirmou Antonio Tricomi, professor da Universidade de Urbino, na Itália, que também leciona no segundo grau. Mas Tricomi não é nada otimista em relação ao romance. “Não me surpreenderia se uma boa parte dos leitores deste livro o adquirisse não por compartilhar dos mesmos sentimentos antifascistas do autor”, ele disse, “mas por gostar da figura de Mussolini”.
Por Emma Johanningsmeier, The New York Times