Aprovado nesta terça-feira (20) na Câmara dos Deputados, o decreto-lei nº 36/2025 marca um momento sombrio para os milhões de descendentes de italianos espalhados pelo mundo. Com apoio irrestrito da base do governo de Giorgia Meloni, a Itália deu as costas a uma de suas mais profundas marcas identitárias: a conexão incondicional com sua diáspora.
Com o discurso de “combater abusos”, Meloni e seus aliados enterram o princípio do jure sanguinis, que por décadas foi expressão viva do pertencimento italiano além-mar. Sob o pretexto de “proteger o sistema”, o governo simplesmente **rasgou os laços históricos que conectavam o país aos filhos e netos de quem um dia partiu de navio, com esperança, e deixou para trás não só uma terra, mas uma pátria.
É impossível não enxergar o paradoxo: um governo que tanto fala em raízes, identidade e soberania nacional renega milhões de descendentes legítimos simplesmente por terem nascido fora da península.
Um decreto com nome e rosto
A nova norma — apelidada de “Lei Tajani”, em referência ao chanceler e vice-premiê Antonio Tajani — restringe a cidadania italiana apenas a filhos e netos de italianos, impondo exigências que ignoram realidades históricas e migratórias. A exigência de “vínculo efetivo” com a Itália soa quase como um escárnio para quem cresceu em famílias que falavam dialeto calabrês, cozinhavam receitas da nonna e esperavam, um dia, ver no passaporte o reconhecimento da própria origem.
O decreto ainda inclui um artigo cruel, o 3-bis, que declara que quem nasceu fora da Itália e possui outra cidadania será considerado como nunca tendo sido italiano — a menos que se encaixe em exceções burocráticas. Ou seja: a partir de agora, a descendência italiana perdeu sua dignidade jurídica. E com isso, perde-se também uma parte da alma italiana no mundo.
Meloni abandona seus
Não há como suavizar: Meloni rompeu com os ítalo-descendentes. Rompeu com as promessas de campanha, rompeu com a tradição republicana de acolher os filhos da emigração, rompeu com a Constituição — segundo especialistas — e com a própria ideia de nação estendida.
Aqueles que sempre ouviram que “são italianos de sangue” agora são considerados um incômodo administrativo. São vistos como “falsos cidadãos”, como “ameaça ao sistema”, como “estatística de passaportes”. Que tragédia institucional.
A justiça como último refúgio
Resta agora àqueles que foram traídos por esse governo recorrer ao Judiciário. A esperança está nos tribunais, na jurisprudência histórica, no artigo 24 da Constituição italiana, que garante a todos o acesso à justiça. A luta, portanto, continua nas mãos dos advogados, das associações de descendentes, das famílias que recusam o apagamento.
Uma vergonha histórica
O que Giorgia Meloni fez não foi apenas aprovar um decreto. Ela fechou a porta na cara de milhões de descendentes que, por décadas, sustentaram com orgulho suas raízes italianas. Ela rasgou a ponte entre a Itália e sua diáspora.
E ao fazer isso, deixou claro: seu governo não é o guardião das tradições italianas — é o arquiteto do seu esquecimento.