Compositor italiano que mudou a música e o cinema faleceu aos 91 anos
Não é exagero dizer que o cinema e a música perderam um de seus maiores nomes. Ennio Morricone, compositor italiano de talento inestimável, faleceu hoje, aos 91 anos. Mas seus trabalhos, instantaneamente reconhecíveis, e que mudaram o universo de trilhas sonoras, vivem para sempre.
Após o anúncio da morte de Morricone, o diretor americano Edgar Wright compartilhou seu luto nas redes sociais descrevendo o compositor de um modo certeiro: “Ele conseguia transformar um filme medíocre em uma obra imperdível, transformar um bom filme em uma obra de arte e um ótimo filme em uma lenda”. Poucos compositores conseguiram o que Morricone realizou: quando se lembra de filmes como Três Homens em Conflito, A Missão ou Cinema Paradiso, são as notas dele que ressoam na mente.
Morricone é frequentemente lembrado por seu trabalho em spaghetti-westerns e suas parcerias com Sergio Leone, em filmes que se tornariam clássicos muito por causa de suas composições, mas seu legado é muito maior que isso. Desde que começou a compor – aos seis anos – Morricone teve uma carreira brilhante que passou por cantores de jazz e música popular (Morricone tem composições nas carreiras de Pet Shop Boys, Andrea Bocelli, Mina e Sting), pelo teatro, rádio, e no cinema flututou por diversos gêneros. E apesar de ter sua influência histórica em Hollywood, ele nunca deixou Roma, sua cidade natal, e nunca abandonou o cinema italiano, que hoje sente a perda de um de seus maiores nomes.
Relembrando um legado histórico, selecionamos abaixo 10 trilhas sonoras inequecíveis de Ennio Morricone:
POR UM PUNHADO DE DÓLARES (1964)
É uma tarefa simplesmente impossível selecionar apenas um dos trabalhos de Morricone para a Trilogia dos Dólares, spaghetti-westerns que marcaram o início da parceria do compositor com o diretor Sergio Leone. Os três filmes são marcados por composições não apenas inesquecíveis como revolucionárias, e por isso, ao listar suas trilhas mais importantes, é necessário abrir um espaço para a música que deu início a tudo. Em “Por Um Punhado de Dólares”, Morricone (creditado como Dan Savio para não afastar o público americano, pouco acostumado a westerns italianos) deixou um marco na cabeça de todos que assistiram: um assobio marcante e uma guitarra elétrica totalmente peculiar, que entrega ao filme um clima único. Como Morricone compôs as músicas antes do longa ser filmado, é fato conhecido que Leone prolongava cenas só para deixar a música do compositor tocar na íntegra. O resultado disso mudou o cinema para sempre.
TRÊS HOMENS EM CONFLITO (1966)
É uma pena ter que deixar uma obra da Trilogia dos Dólares de fora – até porque a trilha de Por Alguns Dólares a Mais é realmente brilhante por si só – mas para listar a essência de Ennio Morricone, a outra trilha que entra na lista é Três Homens em Conflito. Enquanto ele estabeleceu uma base brilhante ao que viria para a conclusão da trilogia, é em Três Homens em Conflito que o clima grandioso de Morricone chega em seu auge. Seria impossível relembrar esse clássico sem ouvir a guitarra, o assobio, e aquele canto peculiar, que constroem o clímax de Três Homens em Conflito. Sua sequência mais memorável, no fim do longa, no cemitério, seria absolutamente diferente sem a criação de Morricone. Mas não é apenas esse auge que faz a trilha do filme de 66 tão brilhante. Neste longa, Morricone cria temas para cada um dos personagens, associando cada um deles com um instrumento ou som específico, assim estabelecendo uma relação entre música e filme que se tornam indissociáveis.
ERA UMA VEZ NO OESTE (1968)
Ainda com Sergio Leone, Morricone criou uma das trilhas mais inesquecíveis para o longa Era uma Vez no Oeste, de 1968, criando um clima muito mais romântico e melancólico do que sua trilogia faroeste. As primeiras notas do tema principal do longa são instantaneamente reconhecíveis, mas para esse longa, as composições de Morricone também são lembradas pelos temas criados para cada um dos personagens, particularmente ao da personagem de Claudia Cardinale, Jill. Novamente, a trilha do italiano foi composta antes das filmagens, e Leone tinha um método curioso de gravar, tocando as faixas no estúdio para que os atores atuassem em cima das composições de Morricone.
OS VIOLENTOS VÃO PARA O INFERNO (1968)
Também em 68, Ennio Morricone criou a trilha sonora de Os Violentos Vão Para O Inferno, sua terceira parceria com outro frequente colaborador de spaghetti-westerns, o diretor Sergio Corbucci. Investindo novamente em um assobio icônico, Morricone criou mais uma vez uma faixa instantaneamente reconhecível. E para quem nunca viu o clássico e sabe que já ouviu essa melodia em algum lugar, pode se lembrar de uma das cenas mais marcantes de Kill Bill Vol. 2, em que Quentin Tarantino utilizou a faixa para criar o momento grandioso em que Beatrix Kiddo sai do caixão.
QUEIMADA! (1969)
Apesar da maioria das entradas na lista de inesquecíveis de Morricone terem um clima distintamente faroeste, como já dissemos antes, o compositor era muito mais do que este gênero. Uma das primeiras e maiores provas de sua versatilidade é a trilha sonora de Queimada!, clássico de 1969 de Gillo Pontecorvo, relembrado principalmente pela atuação de Marlon Brando. Com muito mais batidas e um coro marcante como na faixa “Abolisson”, Morricone demonstra sua habilidade certeira de capturar o espírito de um filme em suas composições.
ERA UMA VEZ NA AMÉRICA (1984)
Pode parecer exagero colocar um quarto filme de Sergio Leone na lista de 10 trilhas inesquecíveis de Ennio Morricone, mas quem viu todos sabe que não há como deixar um destes de fora. Encerrando uma parceria histórica entre diretor e compositor, o maestro compôs sua última trilha para Leone em 1984, com o clássico Era Uma Vez na América. Relembrada eternamente pela sua flauta melancólica, esta última parceria tem uma história amarga por trás. Apesar de ser considerada uma das melhores criações de Morricone, a trilha de Era Uma Vez na América não pode ser considerada entre os indicados a Melhor Trilha Sonora no Oscar porque o nome de Morricone foi acidentalmente cortado dos créditos iniciais, para tornar a duração do filme mais curta.
A MISSÃO (1986)
A Missão, longa de 86 de Roland Joffé e uma das mais relembradas trilhas sonoras de Morricone, é outro exemplo de sua habilidade de capturar atmosferas e sentimentos e depositá-las em suas composições. Contando a história de um missionário jesuíta na América do Sul, A Missão combina cantos litúrgicos com batidas, cantos hispânicos e cordas, que refletem as diferentes culturas retratadas no filme. Marcando sua segunda indicação ao Oscar – a primeira foi pelo memorável trabalho em Cinzas no Paraíso (1978) – Morricone sempre reiterou que este seu trabalho certamente deveria ter vencido a estatueta, até porque o ganhador, Por Volta da Meia-Noite, de Herbie Hancock, gerou controvérsias por usar peças musicais compostas anteriormente.
OS INTOCÁVEIS (1987)
Morricone também criou uma de suas músicas mais memoráveis em sua parceria com Brian DePalma no drama Os Intocáveis, de 1987, relembrado principalmente por aquela sinfonia de trompetes, e uma melodia que não apenas combina perfeitamente com a atmosfera do submundo dos crimes nos EUA como cria um sentimento de expectativa crescente. Toda a trilha sonora de Os Intocáveis é certeira, mas quem poderia esquecer o tema de Al Capone, que combina perfeitamente com a performance caricata de Robert DeNiro?
CINEMA PARADISO (1988)
Uma lista de trabalhos inesquecíveis de Morricone não estaria completa se não exemplificasse o seu talento em gêneros diferentes do cinema. Apesar de ser lembrado pelo tom forte e extravagante de faroestes, histórias de crime ou drama, uma de suas obras mais sensíveis está em Cinema Paradiso, de 1988, o longa que marcou o início de sua parceria com o diretor italiano Giuseppe Tornatore. Para embalar a história de vida de um cineasta e o nascimento de seu amor pelo cinema, Morricone investiu em um instrumental mais intimista e delicado, com piano, celesta e cordas.
OS OITO ODIADOS (2015)
Chegando ao fim da nossa lista, é difícil não sentir certo desconforto em apenas listar 10 das trilhas de Ennio Morricone, até porque há um tempo grande entre os dois últimos itens da seleção. Mas a trilha sonora de Os Oito Odiados, único filme de Tarantino que traz composições originais de Morricone (o diretor usou faixas diversas do compositor em vários de seus filmes) marcou por diversos motivos: ele foi o retorno de Morricone ao gênero de faroeste, concretizou um desejo conhecido do diretor e representou a merecida vitória no Oscar de Morricone. Mas o fato de que o maestro foi presenteado com uma estatueta apenas em 2015 é mais um testamento das falhas da Academia do que um sinal de merecimento tardio do compositor (apesar do Oscar ter presenteado Morricone com um prêmio por conjunto da obra em 2007). Aos 87 anos, Morricone criou peças intensas e marcantes para Os Oito Odiados, de alguma maneira mostrando que mesmo depois de tanto tempo ainda tinha muito a dizer.