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“Não somos falsos italianos”, diz Taddone no Senado italiano

Daniel Taddone defende vínculo vitalício da cidadania italiana com descendentes.

No Senado italiano, Daniel Taddone criticou decreto que restringe cidadania por sangue e defendeu a manutenção do vínculo com a diáspora | Foto: Reprodução/TV Senado
No Senado italiano, Daniel Taddone criticou decreto que restringe cidadania por sangue e defendeu a manutenção do vínculo com a diáspora | Foto: Reprodução/TV Senado

Em audiência no Senado da Itália, na terça-feira (8), o sociólogo Daniel Taddone fez uma defesa contundente da cidadania italiana por descendência, o chamado ius sanguinis, alertando para os riscos do novo decreto-lei que pode restringir o direito a gerações futuras. A intervenção aconteceu durante discussões — na Comissão de Assuntos Constitucionais — sobre a reforma da legislação de cidadania.

“A vontade do legislador era manter esse vínculo persistente no tempo”, afirmou Taddone, que é conselheiro do CGIE (Consiglio Generale degli Italiani all’Estero). A frase resume o tom de um discurso que, com emoção e precisão histórica, mostrou o papel dos descendentes na manutenção da italianidade fora do território nacional.

Falando, por videoconferência, de São Paulo – cidade que abriga uma das maiores comunidades de origem italiana no mundo–, Taddone lembrou que o orgulho pela herança italiana está vivo no cotidiano da diáspora, mesmo quando a língua não é mais falada.

“Mesmo que muitos não falem perfeitamente o italiano, a ideia de italianidade está muito presente”, disse aos senadores.

Defesa jurídica e histórica do ius sanguinis

Taddone destacou que as leis italianas sempre reconheceram a cidadania como uma construção de vínculo afetivo, jurídico e cultural, jamais limitada ao território. “O legislador nunca quis isso nem em 1865, nem em 1912, nem em 1992”, afirmou, reforçando que o atual decreto rompe com essa tradição jurídica ao aplicar retroatividade, prática contrária aos princípios constitucionais italianos.

Para ele, a proposta representa um retrocesso. “Quer simplesmente voltar ao passado e transformar uma grande quantidade de pessoas em não italianos”, disse, referindo-se aos descendentes que poderiam perder o direito à cidadania.

Crítica ao governo e apelo ao Parlamento

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O tom do discurso se elevou ao criticar declarações do ministro Antonio Tajani. “Ele não dirigiu às nossas comunidades uma única palavra positiva. Somos aproveitadores, falsificadores, oportunistas…”, lamentou Taddone, ao lembrar a forma como a diáspora foi retratada na coletiva de imprensa sobre o decreto.

Além de apontar falhas no sistema de transcrição de atos civis, que considera arcaico, ele defendeu medidas futuras, como a exigência de proficiência em língua italiana. “Está bem, se daqui a cinco anos precisarmos fazer um B1 cidadania com cultura, nos comprometemos e faremos.”

A cidadania como soft power

Taddone também sublinhou o papel estratégico da diáspora como ponte de influência cultural e econômica. “Esses novos cidadãos são o topo da pirâmide social em nossos países”, afirmou, lembrando que muitos ocupam posições de destaque e valorizam produtos e símbolos da Itália. “Não somos falsos italianos, somos italianos de verdade.”

Sua fala ressoou não apenas como crítica técnica ao decreto, mas como um apelo ao Parlamento italiano para preservar o que a história construiu: um elo profundo entre a Itália e seus descendentes espalhados pelo mundo.

Nos últimos dias, a Comissão de Assuntos Constitucionais do Senado tem ouvido juristas, estudiosos e representantes da sociedade civil sobre o Projeto de Lei de Conversão do Decreto-Lei nº 36/2025, que altera as regras da cidadania por descendência, o ius sanguinis.

Entre tantas vozes, a de Taddone se destacou pelo equilíbrio, pela clareza e pela profundidade. Ele deu uma aula de ítalo-descendência.

A surpresa, no entanto, ficou apenas por sua presença entre os convidados. Não surpreendeu sua capacidade de se expressar com eloquência e em um italiano polido.

O vídeo completo pode ser visto em: senato.it/danieltaddone

Leia o discurso na íntegra

(Transcrito e traduzido com ajuda de IA)

Bom dia a todos, espero que estejam bem. Então, eu falo com vocês de São Paulo, no Brasil. Como bem sabem, é uma das cidades do mundo com uma quantidade muito significativa de descendentes de italianos, assim como em todo o centro-sul do Brasil. Essa é uma comunidade muito numerosa. Obviamente os números não são exatos, mas se fala em 30 ou 40 milhões de descendentes, e quero, claro, dar uma contribuição a esta audiência também um pouco pessoal, com um tom talvez mais íntimo, e peço desculpas porque não tenho tanta familiaridade com essas sedes formais do Senado, etc., então peço desculpas caso faça algo fora do protocolo.

De qualquer forma, acredito que seja importante lembrar da nossa emigração. Mesmo que isso possa parecer surpreendente ou causar espanto, acho que é algo necessário. Porque mesmo com o passar de tantos anos, nos nossos países — aqui no Brasil, na Argentina, no Uruguai, também na Austrália e nos Estados Unidos — o amor pela Itália, mesmo que seja uma ideia de Itália que talvez nem exista mais, está muito presente. Está no nosso cotidiano, mesmo que muitos não falem a língua italiana perfeitamente, ou nem falem. A ideia de italianidade está presente. Está no nosso dia a dia. Aparece, por exemplo, quando vamos a uma consulta médica e a secretária vê nosso sobrenome italiano e pergunta: “Ah, você também é descendente de italianos? Meu avô era do Molise, meu avô era da Calábria.” E claro, como eu disse, talvez isso seja uma visão pessoal, emocional, da situação, mas é importante que a Itália não se esqueça desse patrimônio que existe nas nossas sociedades da diáspora. Porque esse patrimônio é muito mais amplo do que talvez os italianos que vivem na Itália possam imaginar, e o orgulho de ser descendente de italianos está muito presente em todas as nossas situações cotidianas, das mais simples às mais complexas.

Como disse o doutor Marino Monaco, que falou sobre as comunidades italianas na Argentina, eu falo um pouco das do Brasil. E, por exemplo, aqui ao meu lado está meu diploma universitário da Universidade de São Paulo, que é a maior da América Latina em número de estudantes e também bem ranqueada entre as universidades do mundo. A USP, por exemplo, contou em seu início com a presença de muitos professores italianos. Um deles foi Giuseppe Ungaretti. Dos últimos seis reitores da Universidade de São Paulo, três têm origem italiana.

A pessoa que filmou a cerimônia do meu diploma, lá em 2003, foi Adolfo Melfi, de origem lucana. E depois vieram muitos outros. O atual reitor da Universidade de São Paulo é o professor Carlotti. Então, esse patrimônio existe e deveria ser muito valorizado pela Itália, inclusive como parte de seu soft power no mundo. Por quê? Porque, enquanto a Espanha, Portugal, o Reino Unido e a França tiveram colônias e espalharam sua língua e cultura pelo mundo — inclusive aqui no Brasil, onde falamos português, e nos outros países da América Latina, onde se fala espanhol — a Itália não conseguiu ter colônias no sentido mais restrito da palavra. Mas a ideia de um colonialismo migratório, no fim do século XIX e começo do século passado, foi uma política muito presente na Itália. E isso se refletiu também nas leis de cidadania.

Muitas personalidades importantes da história italiana, como Leone Carpi, Francesco Saverio Nitti, Luigi Einaudi, apostaram nesse colonialismo migratório. E as leis de cidadania da Itália, tanto o Código Civil de 1865 quanto a lei de 1912, tinham a intenção de manter um vínculo persistente com sua diáspora.

Ou seja, a vontade do legislador era manter esse vínculo persistente ao longo do tempo. E mesmo na lei de 1992, ainda em vigor, o legislador daquele momento manteve esse princípio de vínculo duradouro — porque, cito textualmente — trata-se da manutenção de um vínculo jurídico, mas também cultural e sentimental construído pela cidadania.

E por que faço essa introdução? Porque é essencial entender que as leis de cidadania tiveram efeitos ao longo do tempo — conforme o princípio tempus regit actum — e esses efeitos foram desejados pelos legisladores, não foram consequências acidentais. E é importante entender que as leis não devem dispor sobre o passado, apenas sobre o futuro. Isso está previsto no nosso Código Civil de 1865 e também no de 1942, ainda em vigor. E esse decreto-lei, infelizmente, não respeita esse princípio, porque tenta simplesmente retroceder e transformar uma multidão de pessoas em “não italianos”.

Esse patrimônio que menciono aqui — talvez vocês não consigam ver — mas com orgulho tenho comigo um suplemento da Illustrazione Italiana que diz: “O Estado de São Paulo, onde vive um milhão de italianos.” É um exemplar original de 1911, do qual tenho orgulho de ser o proprietário. Tenho também um enorme livro que pesa mais de 10 quilos, com mais de mil páginas, chamado O Brasil e os Italianos, que contém uma quantidade imensa de dados e um patrimônio que a Itália absolutamente não pode esquecer.

Agora quero também falar do decreto de forma ainda mais pessoal. Eu sou um italiano de segunda geração. Tenho uma filha de nove anos chamada Filippa, que é italiana. Minha esposa também é cidadã italiana. Somos três na família. Mas, se quisermos aumentar nossa família e tivermos outro filho, os senadores e outras pessoas que leram esse decreto sabem que eu não poderei mais transmitir minha cidadania a esse filho ainda não nascido. Seria um bisneto de italiano nascido na Itália. E eu nunca tive a oportunidade de viver dois anos ininterruptos na Itália — vivi em dois períodos diferentes, mas nunca somando dois anos contínuos.

Como podem ver, falo italiano. E essas situações não são únicas, são muitas. Então, como é possível que um decreto-lei, do dia para a noite, simplesmente cancele minha possibilidade de transmitir minha cidadania a um novo filho? Isso parece justo? Isso é tratar a cidadania italiana com seriedade? Me proibir de passar minha cidadania a um filho ainda não nascido? Infelizmente, não tenho como viver dois anos na Itália. Minha vida está aqui, meu trabalho está aqui e pretendo permanecer aqui.

A ideia de territorialidade nunca fez parte da cidadania italiana. O legislador nunca quis isso — nem em 1865, nem em 1912, nem em 1992. Então, como agora podemos dar uma guinada de 180 graus da noite para o dia?

Outro ponto: o ministro Tajani, em sua coletiva de imprensa de 18 minutos e 27 segundos, não dirigiu uma única palavra positiva às nossas comunidades. Somos tratados como aproveitadores, falsificadores, oportunistas… Isso é uma ferida aberta com a nossa diáspora e que, acredito, será difícil de curar. Espero que o Parlamento possa fazer isso, porque foi muito triste acompanhar uma coletiva de imprensa feita apenas para denegrir completamente a nossa diáspora.

Quanto à “venda” de cidadanias — obviamente há anomalias, talvez graves, e isso eu entendo. Mas essas agências não vendem cidadania, vendem serviços. E por que há esses serviços? Porque há demanda. Talvez o Estado pudesse criar outros caminhos, que ainda não foram implementados. Por que os municípios estão sobrecarregados? Porque na Itália vigora um sistema de transcrição de atos civis completamente arcaico. Se alguém for analisar, vai perceber que é algo absurdo para o ano de 2025, com toda a tecnologia que temos. Copiar do início ao fim um ato de estado civil estrangeiro, em vez de informatizar o processo, como fazem a Espanha, Portugal e tantos outros países, é simplesmente insustentável.

Então, várias oportunidades de reforma foram perdidas, e agora temos esse decreto-lei que quer voltar ao passado para retirar o status civitatis de inúmeras pessoas — inclusive de um possível filho meu, ainda não nascido.

Quero chamar atenção para dois pontos, se ainda tiver tempo.
Doutor, já passamos um pouco do tempo. Se puder concluir, por favor.
Um minuto, obrigado.

A Espanha fez uma pequena reforma da sua cidadania em 2002, e a Alemanha em 2000. Por que cito esses dois casos? Porque em ambos os efeitos foram futuros.

Portanto, espero que o nosso Parlamento entenda que essas pessoas, já nascidas, já foram investidas da cidadania italiana, e não podemos usar retroatividade da lei para legislar nesse sentido. O que se pode fazer — e deixo aqui o convite — é criar mecanismos de perda de cidadania para pessoas que não mantenham um vínculo efetivo. Mas isso deve ter efeitos no futuro. Poderia se instituir, por exemplo, um teste de italiano para o futuro. Se a pessoa, dentro de 5, 8 ou 10 anos — isso o legislador pode decidir — apresentar, por exemplo, um exame de língua italiana específico, haveria diversas possibilidades.

Se quisermos acompanhar as reformas feitas em outros Estados europeus, veremos que sempre os efeitos foram futuros.

Portanto, peço aos senadores e a todos que assistirem: nossa diáspora está disposta a um novo pacto de convivência, mas respeitando a irretroatividade da lei e os nossos direitos, que não devem ser retirados de um dia para o outro. Muito obrigado.

Obrigado, doutor.
Agora talvez haja perguntas, precisamos prosseguir. Há colegas com perguntas?
Foi muito amplo e esclarecedor o seu depoimento.

Não é uma pergunta, é um elogio ao doutor Taddone, que eu não conhecia, mas acho que ele levantou os problemas de forma muito clara e simples, inclusive os efeitos da lei.

Mas queria entender se a fala do doutor Taddone foi em nome do CGIE ou como presidente da Associação Natitaliani? Porque ele não é representante oficial do CGIE, certo? Mas é conselheiro do CGIE, então tudo bem. Não vamos considerá-lo em falta por isso. Então ele fala como presidente da Associação Natitaliani.

Mais alguém?
Não? Então só essa observação. Por favor, doutor.
Está me ouvindo?
Sim, sim, desculpe.
Não há outras perguntas, então apenas essa observação.
Por favor.
Sim, sim.

Fui convidado e, claro, é uma honra. Também porque sou presidente desta associação que busca, se posso dizer assim, salvaguardar o direito à cidadania da diáspora. Sou também conselheiro do CGIE, mas não falo aqui como conselheiro, e sim como representante da grande comunidade italiana no Brasil — posso dizer, inclusive, na América do Sul.

Quero reafirmar que estamos prontos para um novo pacto de convivência entre a Itália e sua diáspora, e que o Parlamento italiano possa honrar a vontade dos legisladores que os antecederam, respeitando essa lei e os efeitos que ela produziu no tempo. E, se for para criar uma nova lei, que ela permita que aqueles que queiram manter o vínculo possam fazê-lo.

Porque, infelizmente, o decreto-lei, ao contrário do que alguns dizem, corta completamente o vínculo. Repito: eu, um italiano de segunda geração, não poderei mais transmitir minha cidadania a um filho que venha a nascer, e esse é o caso de muitas e muitas pessoas.

E se posso terminar mesmo, o limite geracional é a forma menos inteligente de tentar filtrar novas cidadanias. Eu conheço muito bem nossas comunidades italianas aqui no Brasil — atuo com esse tema há 32 anos, desde 1993 — e conheci muitos filhos de cidadãos nascidos na Itália que não falam italiano. Muitos! E conheci bisnetos, tataranetos de italianos que falam italiano, ou um dialeto.

Queremos mesmo usar o limite de gerações como critério? Isso não é inteligente. Se quisermos introduzir requisitos futuros de língua, cultura ou conhecimento de civilização italiana, estamos prontos para aceitar isso. Conversei com muita gente e muitos disseram: tudo bem, se daqui a cinco anos precisarmos de um B1 em italiano com conhecimentos culturais, vamos nos preparar e faremos.

Se o problema é a língua, se precisamos demonstrar esse vínculo com a italianidade, vamos fazer. Por isso peço aos senadores que nos ouvem: no futuro, nossas comunidades no Brasil, na Argentina, no Uruguai, na Venezuela, estão prontas para participar da comunidade nacional, mesmo com uma prova de idioma, se necessário.

Se posso dizer mais uma coisa rapidamente: é importante entender que esses novos cidadãos, essa nova leva de cidadãos, estão no topo da pirâmide social nos nossos países. Esses quase um milhão de italianos residentes no Brasil, mais de um milhão na Argentina, são pessoas de grande valor, representam um soft power para a Itália — e talvez a Itália ainda não tenha percebido isso. Aqui, quando alguém vai ao supermercado e vê um produto italiano, obviamente prefere o produto italiano, mesmo que não fale italiano perfeitamente.

Mas essa paixão pela Itália existe, não é falsa, não somos falsos italianos, somos italianos de verdade — e isso é sentido nas nossas comunidades. O importante é ter essa sensibilidade para entender quem somos e que estamos aqui pela Itália, mesmo fora dela, sempre prontos a amar, sempre prontos a levar o nome da Itália pelo mundo.

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