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Na Itália, Mussolini quis transformar futebol em plataforma de governo

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O italiano Benito Mussolini quis transformar o futebol em uma plataforma de governo

Il duce não poupou o uso de métodos controversos, como costumava fazer em seu regime ditatorial

O ditador Benito Mussolini – ou il duce, como ele era conhecido – foi possivelmente o primeiro líder a usar o futebol na implantação de políticas populares.

Ele também foi o primeiro a enxergar a Copa do Mundo como uma forma de propaganda para seu governo perante a comunidade internacional, que questionava os métodos do político italiano (entre eles, obrigar professores a vestir o uniforme fascista na sala de aula e exibir execuções sumárias de rivais ideológicos).

De certa maneira, Il Duce levou aos gramados esse lado metódico para organizar e vencer o segundo Mundial da história, em 1934.

Mussolini acreditava que para se imortalizar deveria “catequizar” os jovens – e que a melhor ferramenta para isso era o esporte, principalmente o futebol. O primeiro passo nesse sentido aconteceu em 1926, quando ele redigiu a carta que lhe outorgava “o controle do futebol no país”: Mussolini passou a indicar os presidentes da Federação Italiana e a estruturar os torneios.

A primeira manifestação importante dele para se aliar ao futebol foi a luta para que a Itália sediasse a primeira Copa do Mundo. Mas, em 1930, o Uruguai era a sede natural, já que havia conquistado os títulos olímpicos em 1924 e 1928. Com o país latino tendo sido escolhido, Il Duce ficou possesso, e não enviou a seleção italiana para o Mundial inaugural em Montevidéu.

Mandou apenas uma minidelegação de três olheiros para recrutar oriundis, nome dado aos filhos de italianos nascidos na América. Começava aí o plano de Mussolini para vencer a segunda Copa.

Missão “ganhar a Copa”

Depois de conseguir a indicação da Itália como sede do Mundial de 1934, Mussolini encarregou a Giorgio Vaccaro, presidente da Federação Italiana de Futebol, a maior missão não bélica daqueles tempos para o país: ganhar a Copa. “Sua responsabilidade, Vaccaro, é o título mundial”, disse Mussolini para o piemontês. “Não sei como você vai fazer isso, mas vencer é uma ordem, não é um pedido.”

A seleção italiana, finalmente campeã em 1934, começou a se montar quatro anos antes, no próprio Mundial de 1930, quando os olheiros do ditador escreveram a “lista definitiva” dos melhores oriundis, escolhidos a dedo para retornar à terra de seus ancestrais (oito argentinos, incluindo Luis Monti, e seis uruguaios; em 1933, um ano antes do Mundial, também viajaram os atacantes argentinos Alejandro Scopelli e Enrique Guaita).

A atração pelo futebol sul-americano crescia à medida que jogadores latinos faziam bonito na Europa, especialmente os argentinos Raimundo “Mumo” Orsi, Renato Cesarini e Julio Libonatti. O talento dos três fez com que Mussolini acreditasse que havia muitos outros jogadores para “resgatar” do outro lado do Atlântico.

No meio de argentinos e uruguaios, apareceu também o primeiro ítalo-brasileiro a fazer história na Europa: Anfilogino Guarisi Marques, mais conhecido como Filó, que em 1931 deixou o Corinthians e foi para o Lazio, time pelo qual torcia Mussolini. Em 1934, no Mundial sediado pela Itália, havia quatro argentinos e um brasileiro na seleção que acabou se tornando a primeira campeã europeia do mundo: Monti, Guaita, Orsi, Attilio Demaria e Filó.

A segunda copa deixou a cúpula fascista feliz não apenas porque estava sendo realizada na Itália, mas também porque foi organizada em um formato diferente, de mata-mata: cada instância seria decidida em um único jogo, com prorrogação de 30 minutos se necessário, e uma segunda partida se continuasse o empate. Pênaltis só deveriam ocorrer em último caso.

Propaganda política

Com o orgulho de ter o Mundial em território italiano, Mussolini obrigou Vaccaro a fazer a maior propaganda política de uma Copa já realizada até os dias de hoje. Nas partidas, uma boa parte dos espectadores era simpática ao fascismo – o público pouco torcia pelos craques, gritando, na maioria das vezes, “Itália, Duce!”. Nas apresentações da Azzurra – nome pelo qual é conhecida a seleção italiana –, Mussolini, que obrigava todos, até os árbitros, a fazer a saudação fascista no meio do campo, dava a ordem de início da partida.

Todos os jogadores da seleção da Itália passavam por um treino militar, mas a pressão psicológica exercida por Mussolini era muito pior que qualquer provação física. Antes dos jogos, o ditador escrevia, à mão, um bilhete para cada atleta e membro da comissão técnica, com as mesmas três palavras: “vitória ou morte”, um slogan fascista.

A mensagem, que poderia ter muitas interpretações simbólicas, subliminares e metafóricas, nesse caso era direta, sem parábolas nem eufemismos. Criou-se um clima de intimidação absurdo dentro e fora dos vestiários.

No decorrer do campeonato, enquanto a Itália eliminava os Estados Unidos, os outros dois representantes do continente americano também caíam: o time da Argentina perdeu para a Suécia, e o Brasil levou a pior ante a Espanha, por 3 x 1. Já nas quartas de final, contra a Itália, a seleção espanhola teve sete craques lesionados e ainda assim conseguiu um empate (cada seleção fez um gol), obrigando a disputa do segundo e decisivo jogo.

O jogo para o desempate, realizado no dia seguinte, no mesmo estádio, começou com o resultado decidido. A Espanha não pôde contar com seis titulares, todos severamente machucados depois das violentas investidas dos italianos.

Havia outro juiz em campo, mas no estádio, Mussolini continuava mandando. Assim, o suíço René Mercet anulou dois gols legítimos dos espanhóis, por impedimentos inexistentes, mas aceitou um gol irregular do lendário Giuseppe Meazza.

Il Duce estava perto de conseguir o que tanto desejava. No dia 10 de junho de 1934, um domingo, a final aconteceu na capital, Roma. A Azzurra enfrentou mais um selecionado tecnicamente melhor, o da Tchecoslováquia. O

s tchecos, apesar de saberem que as cartas estavam marcadas, não se intimidaram. Começaram jogando bem melhor do que a Itália; vinte minutos antes do final abriram o placar, mas o ítalo-argentino Raimundo Orsi igualou faltando nove minutos para o ultimo apito e conseguiu a prorrogação.

Quando o treinador Vittorio Pozzo reuniu os jogadores no vestiário antes da meia hora suplementar, um enviado de Il Duce desceu do camarote para lhe dar uma mensagem. “Senhor Pozzo, Mussolini mandou-me lhe dizer que você é o único responsável pelo sucesso, mas Deus o ajude se falhar”, disse.

Pozzo repassou, à sua maneira, a mensagem aos craques. “Eu não me importo como, mas vocês devem ganhar. Ou destruir o adversário”, afirmou, de maneira dramática. “Se perdermos, todos nós teremos dias muito ruins pela frente.” Na prorrogação, Angelo Schiavio, assistido pelo ítalo-argentino Guaita, deu a vitória à Itália.

Muita alegria, alguns mimos para os protagonistas e o objetivo fascista cumprido. Mas os festejos em comemoração à vitória da seleção prenunciavam um momento negro na história do futebol e do país europeu. Em outubro de 1935, Mussolini invadiria a Abissínia, atual Etiópia, e para tal convocou três oriundis – todos argentinos – para irem à frente de batalha: Enrique Guaita, Alejandro Scopelli e Andrés Stagnaro.

Lazio X Roma

Só que não era a guerra na Abissínia que mudaria com essas três presenças, mas sim os resultados do maior clássico futebolístico da capital italiana, onde o Lazio, o time de Mussolini, perdia quase que sistematicamente para o A.S. Roma, clube no qual jogava o trio.

Benito Mussolini queria um ataque duplo. Primeiro, em nome da Itália: conseguir a Abissínia, que no passado repelira a invasão italiana na Batalha de Adwa. Segundo, em nome do Lazio: enfraquecer o rival A.S. Roma enviando para a guerra os craques do time.

As tropas foram mobilizadas um mês antes do início do torneio de futebol entre os clubes italianos, em 2 de agosto de 1935. Coincidentemente, no dia 19 de setembro de 1935, os jogadores foram informados dos planos de Mussolini. Os três argentinos se dirigiram diretamente à casa do diretor esportivo do AS Roma, Vincenzo Biancone, que garantiu: “Fiquem tranquilos, a Itália irá vencer na Abissínia sem vocês”.

O próprio Biancone os acompanhou ao consulado argentino para garantir que no dia seguinte os três aparecessem cedo para treinar em Testaccio, o CT do clube – coisa que não aconteceu. Os jogadores acabaram dormindo no consulado e na manhã de 20 de setembro partiram de carro, sigilosamente, em direção à fronteira francesa, rumo a Mentón, onde todos embarcaram em um transatlântico com destino à capital da Argentina, Buenos Aires.

A notícia da fuga espalhou-se rapidamente. Por ordem de Mussolini, Enrique Guaita, Alejandro Scopelli e Andrés Stagnaro foram acusados de serem desertores e traidores; tiveram a dupla nacionalidade anulada e foram proibidos de voltar ao país pelo resto da vida, punição que esteve vigente até a morte dos três.

Mas, no final das contas, o que Mussolini queria de fato se concretizou: de um dia para outro, na véspera de um novo campeonato, o A.S. Roma perdeu três de seus pilares. Diante dos desfalques, o Roma acabou se tornando vice-campeão, ficando apenas 1 ponto atrás do vencedor, o Bologna.

Por pedido de Mussolini, a Fifa proibiu o trio argentino de jogar para qualquer outro clube europeu no ano seguinte, mas imediatamente todos foram contratados pelo argentino Racing Club em fevereiro de 1936.

Vencer ou morrer

Em 1938, Scopelli foi para o Red Star, de Paris. Os outros dois nunca mais tentaram sair da Argentina (Guaita e Scopelli voltaram a atuar pela seleção do país e ganharam o título sul-americano de 1937). “Perdemos quase tudo que tínhamos ganhado. Voltar a emigrar? Quem nos garantiria que isso não voltaria a acontecer em outro país?”, justificou-se Guaita antes de morrer, aos 49 anos, pobre, depois de ter trabalhado como diretor da prisão de Bahia Blanca, no sul do país.

Em 1935, Raimundo “Mumo” Orsi, o ponta-esquerda da Itália na final de 1934, também retornou para a Argentina, assinando contrato com o Independiente. Ele encerrou a carreira em 1939, defendendo o Flamengo, no Rio de Janeiro.

Em 1938, na terceira Copa, disputada na França, Mussolini manteve o mesmo treinador, Vittorio Pozzo, e voltou a enviar as mesmas mensagens para cada um dos jogadores, todas as noites anteriores a cada partida, com a sucinta mas “eficaz” sentença: “vencer ou morrer”. Assim, a Itália voltou a triunfar, se tornando a primeira seleção bicampeã mundial da história do futebol.

Por EDGARDO MARTOLIO/Rolling Stone

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