Quando imigrou paraa Itália de Burkina Faso aos 12 anosIbrahim Songne experimentou a pizza pela primeira vez e a odiou.
“Eu nunca tinha ouvido falar de pizza antes de chegar à Itália. Dei uma mordida e achei nojenta e completamente sem gosto”, conta.
Apesar desse começo pouco desfavorável, tempos depois Songne fez um empréstimo para abrir sua pizzaria – e no final de 2021 ela foi nomeada uma das 50 melhores da Itália, na categoria “Melhor pizza para viagem”, segundo o guia 50TopPizza.it, que chama a massa de “perfeitamente levedada, digerível e as coberturas são deliciosas”.
Ibrahim batizou seu restaurante de IBRIS – um híbrido de seu nome e sobrenome em letras maiúsculas. Antes de abrir a pequena loja no centro de Trento há três anos, ele diz que os moradores o avisaram: “Um homem negro atrás do balcão afastará todos os clientes“.
Logo no primeiro dia de abertura, Ibrahim ficou atrás do balcão e um casal de meia-idade entrou. Silenciosamente, a dupla inspecionou a pizza em exibição, e provavelmente assumiram que alguém de ascendência africana não falava italiano, e comentou: “A pizza está incrível. Pena que deixaram negros trabalhar aqui”. E foram embora.
Em 2022, a história mudou. Com apenas três pequenos bancos para sentar, os clientes da hora do almoço lotam a estreita vitrine do IBRIS, gritando pedidos ao som da trilha sonora do Afrobeats.
“Uma vez que eles provam minha pizza, todo julgamento desaparece”, diz Ibrahim.
Uma receita para o sucesso
O sucesso de Ibrahim dificilmente se deve à falta de concorrência. Duas outras pizzarias ficam no mesmo quarteirão e outras sete estão a poucos minutos a pé.
Ele diz que sua pizza se destaca pela “intensidade, textura e sensação de experimentação”.
Na última década, a “pizza crocante” se tornou uma tendência no nordeste da Itália – ela costuma ter uma massa leve, mas com várias camadas e faz um barulho alto quando mordida. Ibrahim criou uma versão mais sutil dessa crocância.
Quanto às coberturas experimentais, elas refletem a crença de Songne no movimento gastronômico zero quilômetro da Itália, usando ingredientes frescos disponíveis localmente e sazonalmente sempre que possível. Trabalhando lado a lado com seu irmão mais novo, Issouf, ele muda o cardápio da pizza diariamente e inclui ingredientes não tradicionais como creme de batata roxa, açafrão e grão de bico, por exemplo.
Um começo difícil para uma nova vida italiana
Hoje, Ibrahim vive no pitoresco centro de paralelepípedos de Trento, uma das cidades mais ricas do país, é frequentemente classificada como alta pela qualidade de vida.
Ibrahim e seus pais viviam sem eletricidade ou água corrente em um vilarejo a quatro horas de carro de Ouagadougou, capital de Burkina Faso. Em busca de trabalho, o pai de Ibrahim imigrou para a Itália; a família mais tarde seguiu.
Ao chegar ao norte montanhoso da Itália em 2004, Ibrahim diz que era o único aluno negro na escola e ficou ainda mais isolado devido à gagueira.
Seu desejo de se submeter à fonoaudiologia o estimulou a assumir empregos de meio período na adolescência, caminho que o levou a trabalhar em uma confeitaria. Foi lá que ele desenvolveu a paixão pela panificação.
Nos anos seguintes, Ibrahim aprendeu sozinho a fazer pizza. Tendo trabalhado na confeitaria, ele se cansou de doces e decidiu buscar sabores salgados. Seu colega de quarto serviu como “cobaia” e Ibrahim ficou “obcecado” com o desenvolvimento da receita de massa de pizza consumada. Ibrahim usa a mesma levedura mãe (com lievito madre) há mais de cinco anos.
Hoje, Ibrahim se define como 100% italiano e burquinense, “mas acima de tudo, sou resiliente”.
“Uma vez que superei minha gagueira, eu estava livre. Depois disso, eu sabia que poderia enfrentar qualquer coisa.”
Ajudando os outros com a “pizza suspensa”
Ele não esqueceu suas raízes. A caminho do aeroporto, no dia em que Ibrahim deixou Burkina Faso para a Itália, ele entrou na cidade pela primeira vez e viu um garotinho nu, mendigando nas ruas. Um empresário burquinense de passagem jogou um doce no chão “como se o menino fosse um cachorro” e a criança correu atrás do doce. Naquele momento, Ibrahim diz que decidiu que um dia se dedicaria a ajudar os famintos.
Depois de testemunhar tantas pessoas lutando para sobreviver durante o bloqueio da pandemia, a pizza e os desejos de caridade de Songne se fundiram. Inspirado na tradição napolitana do caffè sospeso (“café suspenso”) – onde a clientela paga por um café adicional que os bartenders depois dão anonimamente aos necessitados – Ibrahim expandiu o costume para a pizza. Logo, a pizza sospesa se espalhou para restaurantes em toda a Itália.
“Coisas grandes começam pequenas”, diz Ibrahim. “Se dada atenção e valor suficientes, a comida pode mudar o mundo. É uma ponte entre as pessoas – uma maneira de experimentar algo novo com prazer. Essa experiência pode levar a uma maior tolerância e compreensão”, finaliza. (NPR)